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Segunda-feira, 24/12/2007 50 anos de Bossa Nova Roberto Menescal Nós éramos um grupo de jovens que procurava uma identidade musical, pois o que se tocava no Brasil no final dos anos 60, apesar de ser uma música bonita, bem feita, não era em absoluto uma realidade de uma geração mais solta, mais alegre, mais ligada à natureza do que a geração anterior que curtia a noite, as boates, os amores sofridos e cuja música refletia essas situações de seu dia-a-dia. Ouvíamos e tocávamos sambas-canções que diziam: "Sei que falam de mim, sei que zombam de mim, ó Deus, como sou infeliz", ou "Se eu morresse amanhã de manhã, não faria falta a ninguém", ou "Garçom apague essa luz que eu quero ficar sozinho, garçom me deixe comigo que a mágoa que eu tenho é só minha". Imaginem nós, com 20 anos de idade, cantando todo esse sofrimento! Passamos então a criar um outro universo mais leve e mais otimista na maioria das vezes, como: "Era uma vez um lobo mau que resolveu jantar alguém", ou "Se todos fossem iguais a você, que maravilha viver", ou "Dia de luz, festa de sol, e um barquinho a deslizar no macio azul do mar". Todas essas mensagens vinham acompanhadas de uma música que era uma fusão de tudo que ouvíamos, como samba-canção, samba, bolero, jazz e muito musical norte-americano que passava sempre nos cinemas Metro. Essa fusão de melodias e harmonias veio embalada por uma batida que ficou famosa como "a batida da Bossa Nova" que todo mundo queria aprender, aliás, todo "O Mundo". Nossa música, que sofreu essas influências que enumerei, viria, pouco mais tarde, a influenciar compositores, músicos e arranjadores do mundo inteiro. Para mim, música é isso, uma coisa em eterna transformação, mutante e recebendo influências (boas) de todos os lados, pois se ela tentar se manter totalmente fiel às suas origens, tenderá a se extingüir, dando lugar a outras formas. A Bossa Nova está aí há 50 anos com sua forte personalidade, mas com novas harmonias, melodias mais arrojadas, e até a célebre batida da Bossa Nova hoje tem uma série de variações. Poucos anos atrás, ou seja, no final do século passado, na Europa e Japão, principalmente, começou um movimento de uma música mais dançante, ligado à Bossa Nova, fazendo uma fusão com a música eletrônica e DJs. Com isto, compositores vários da Bossa, como Joyce, Marcos Valle, Jobim, etc., tiveram suas músicas regravadas e lançadas nessa nova onda, fazendo com que milhões de jovens saíssem dançando e cantando canções compostas há mais de 40 anos, como se fossem feitas para eles hoje em dia. Claro que tem muita coisa ruim sendo feita para aproveitar essa "onda", mas também tem muita coisa legal. Bebel Gilberto, filha de Miúcha e João Gilberto, fez sucesso mundial com sua Nova Bossa, Marcos Valle e Joyce têm feito shows pelo mundo inteiro com suas Bossas revalorizadas, eu mesmo participei de algumas viagens com o grupo Bossa Cuca Nova fazendo shows em festivais com público de mais de 200 mil pessoas, coisa que a Bossa Nova tradicional nunca poderia ter alcançando com a intimidade de sua música. Hoje podemos ter uma convivência pacífica entre a Bossa tradicional e a atual e acho isso super benéfico para as duas formas. Não tínhamos a menor noção de que nossa música, nascida no final dos anos de 1950, continuasse com o vigor que tem hoje, 50 anos depois... E se a deixarmos caminhar por aí se juntando às boas coisas que forem aparecendo, garanto que ela chegará a mais 50 anos. Quem sabe a gente ainda verá isso acontecer! Nota do Editor Texto gentilmente cedido pelo autor, originalmente publicado no Livro-agenda 2008 ― 50 anos de Bossa Nova. Roberto Menescal |
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