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Segunda-feira, 4/2/2008 Inventário Horácio Costa Imagem cotidiana, German Lorca Inventario. Eu não sou filho do Dr. Delamare — o dos bebês rosados e sadios — mas poderia sê-lo. Sucrilhos. Nasci em '54, quarto centenário Da metrópole sul-brasileira. Entre a III e a IV Bienais. Meses após o suicídio de Vargas. Com o "Anna Nery" ia-se à terra do Salvador Ouvir Caymmi. O styling sugeria amebas, Dominando o plástico e as harmoniass Cromáticas ligeiramente desarmônicas. Quase todo mundo era real e socialista, Com náusea só de vez em quando, numas De ser sartreano e V.I.P. Para ficar Chegara a Volkswagen. Do Brasil. S.A. Boeing-boeing. O Marechal Lott seria preso, Domiciliarmente, logo adiante. Na esquina Do meu segundo aniversário. No momento Embrional de Brasília. A.B.C. O amor nas classes médias: piegas, Com sonoridades jazzísticas no Club Pinheiros. Nos Jardins — metáfora! — edificavam-se mansões E mansões neocoloniais. Vários rios quiseram Imitar o Reno. Desconhecia-se, Totalmente, o Pico da Neblina, Em Roraima. Alguns já choravam Os escombros do Barroco Mineiro. Esta terra acontece em ciclos. Quer um exemplo? Bem, a Escola Militar Do Realengo mudara-se pras Agulhas Negras, onde a paisagem é sublime. Mirus-Rove. Manhã cedo, e mamãe Me compraria o primeiro par De sapatos. No Externato Santa Rita Aprenderia que, depois do café, Estávamos vivendo o ciclo da Policultura & Industralização. Meu pai adorava o que havia de tralha americana. Cortadeira de gramado, torradeira elétrica. Na U.S.P. franceses pontificavam. Não me lembro mais se Murilo Mendes Já morava em Roma. Quanto a Hemingway, Sei perfeitamente que estava em Cuba. Aparelho ultra-violeta. Filmadora. Nunca Dancei cha-cha-cha. Entrei direto No rock. Jackson Pollock orgasmava Colorido, dançando sobre telas enormes. Satchmo. O Banco do Brasil e a Boîte Oásis. O negocio era estudar no I.T.A. E virar bom partido. Pelos domingos Íamos ao Planetário, novinho, em folhas De alumínio. Sólidas formações humanísticas Seguiam discordando de Einstein, na Egrégia Academia Brasileira de Letras. A T.V. Tupi Canal 3 foi minha madrinha. Peter Pan, Sininho. Não fazia a menor idéia do que me esperava. Teve kits pra tudo: navios, cidades, Posições do Kama-Sutra. Ignorava-se a China, Bem como o Piauí. Tudo devia ser funcional Pratico lavável. Sorria-se com os dentes À mostra. Folclorizar as favelas — uma forma De absorvê-las. No Brasil sempre faltaram Pescadores de águas turvas. Ban-lon. (No Monte Athos há mil anos os monges rezam missa. Estou decidido a queimar todo o meu karma. Ontem/ hoje/ amanhã. Mantiqueira, Mantiqueira. Com Jece Valadão, Cacilda Becker Filmou "Floradas na Serra". Acho que vou morar Em Nova Iorque, mesmo, Que se está transformando Em ruína Maia). Os bandidos, os místicos e os lideres carismáticos Tinham nome. Lampião, Dom Bosco e Kubitschek. Todos os demais nessas categorias estavam além De nossas fronteiras. Aragarças. Não faltava quem vigilasse. Salazares Embaixo da mesa, dentro do armário. O número De baleias que subia das Falklands até Natal Era maior, bem maior que hoje em dia. Vol d'oiseau, darling, você usa, deix'eu ver. — óculos gatinho. De slacks guia Buicks. O Bikini Atoll foi apenas uma forma de maillot. Na cidade Vestibular quero só ver você transcender. Bar-dot. Eu abria a boca, feliz. Mamãe Tacava sucrilho, papinha. Em caso De dúvida telefonava pras primas, Consultava o livro do Dr. Delamare Ou o "Medico do Lar". Deu certo, creio. Tenho 1,85 metro, peso 80 kgs e posso compor Um inventario parcial poético. Poesia feita De bits. No consultório do Professor Carlos Prado tinha um enorme aquário, por si Produto anos '50. Nasci com a chegada Esperada dos primeiros baianos. Nossa Baiana chamava-se: Maria. Maria Gorda. São Paulo inchava feito óleo Nos campos de Piratininga. Óleo Pensado prá lubrificar. Para ferver? Jamais! Capitalismo a berrar nos desertos D'América. Isto continua, no meio Da minha vida toda. Só gravames E agravantes, convenientemente gravados Nos corredores da memória. Zé Horacinho. Outsider — sim, senhor — on the left. Trabalho cotidiano o esquecer de pouca coisa. Hypochrite lecteur, mon semblable, mon frère, Encontre também o teu Kellogg's/vomitório. Não deixe que algum aventureiro Lance mão do teu Nome. Ou seja, desta inteira Estranheza. [SP, 1980] Nota do Editor Texto gentimente cedido pelo autor. Originalmente publicado na coletânea Paulistanas, lançada em 2007, pela Lumme Editor. Horácio Costa |
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