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Segunda-feira, 23/6/2008 Viciados em Internet? Carlos Cardoso As pessoas não estão ficando mais doentes, os médicos é que estão aumentando seu vocabulário. Antigamente, você era uma criança arteira. Hoje, tem Asperger. Se você era distraído, hoje tem Transtorno de Déficit de Atenção. Ficou triste por perder a namorada? Ah, depressão. Prozac nele. Entrou em modo sabático para entregar um projeto, está entusiasmado e só pensa naquilo? Com certeza é bipolar e em fase maníaca. Uma das melhores características da humanidade, nossa capacidade de vivenciar todo um espectro de emoções, agora virou mera fonte de sintomas. Há uma estrita área de "normalidade" de onde ninguém pode sair, sob pena de ser diagnosticado com uma psicopatologia qualquer. Agora o prestigiado American Journal of Psychiatry publicou um artigo de um tal de Jerald Block (não chamo de "Dr.", "Dr." só uso para supervilões, como Dr. Doom ou Dr. Encolhedor) que propõe incluir Vício em Internet no Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, o manual de referência oficial dos psiquiatras americanos. Ele cita trabalhos na Coréia do Sul que dizem estimar 168 mil crianças precisando de tratamento químico para combater seu vício em internet, e a China alega ter 10 milhões de adolescentes cujo uso de internet é considerado patológico. Entre os efeitos causados por longa exposição à Web temos compulsão, síndrome de abstinência, perda de orientação temporal e repercussões sociais negativas. Pára! Desde que me entendo por "iGente", com os antigos BBS, o que mais o mundo on-line serviu foi para aumentar a socialização. Até os mais esquisitos se beneficiam disso. Quem vai aos PalmChopps no Rio conhece o Gollum e sabe do que estou falando. Existe gente que é comprador compulsivo, existe gente que é viciada em jogos, on-line ou não. Já virei a noite jogando Age of Empires, nos computadores da empresa de uns amigos; tínhamos sessões duas ou três vezes por semana, até a madrugada. Éramos psicóticos? Não; estávamos nos divertindo. Existe gente que só consegue se relacionar pelo computador? Sim, a graça é que com o tempo a maioria desses acaba comparecendo a eventos ao vivo, acaba conhecendo gente que já é familiar. Jamais fariam isso sem o computador. O nerd desajustado social é muito mais sacrificado ao vivo do que on-line. A maioria se descobre na internet, e ganha suas "pernas" graças a ela. Quando o sujeito faz tudo errado, quando ele só sabe ser um troll socialmente desajustado mesmo on-line, a culpa não é da internet. Quando o sujeito joga World of Warcraft até morrer, como um daqueles coreanos, a culpa é do jogo, da internet ou de um problema que se manifestaria jogando dominó até morrer, se a internet não existisse? Será que essas crianças não estariam mais felizes sendo crianças, sem culpa ou diagnóstico, em vez de ter que tomar Ritalina por... agirem como crianças? Será que em vez de achar mil culpas (agora é a internet) não seria melhor aceitar que o problema está nos indivíduos? "Eu sou bonzinho, a internet que me fez assim". Não, meu amigo. Se você deixa de comer e ir ao banheiro para ficar jogando, você tem problemas, não a internet. Não estou trivializando as psicopatologias. Pelo contrário. Elas existem, são sérias, e não devem virar lugar-comum. Por outro lado não podem ser usadas como desculpa para tudo. É quase a versão moderna da possessão demoníaca. Você não fez nada, foi a doença, causada pela internet. Não é assim que a banda toca. Não é a doença que vai determinar quem você é, não vai determinar sua essência. Você não é bom ou mau por ter depressão crônica, ou ser borderline. Como disse uma pessoa muito querida, que conhece cérebros por dentro e por fora, "Também existe bipolar mau-caráter". É verdade. De verdade ou de mentirinha, não dá para usar a doença como justificativa para tudo. Infelizmente, em vez de perceber isso, o que os médicos estão fazendo é criar novas doenças. É cômodo; paga as contas; mas como fica o direito inalienável da criança de ser uma peste, mas uma peste absolutamente saudável? Nota do Editor Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no blog de Carlos Cardoso. Carlos Cardoso |
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