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Segunda-feira, 27/10/2008 O Nobel da crise Sérgio Augusto Se o Nobel de Literatura poupou o governo Bush e a candidatura McPalin de mais um embaraço (poderia ter dado Philip Roth, contumaz patrulheiro do bushismo), o de Economia lhes impôs, e também aos corifeus do livre mercado à outrance, uma tunda ainda mais expressiva que a vitória do professor Joseph Stiglitz em 2001. Paul Krugman, o Nobel deste ano, talvez seja o mais lido e respeitado crítico da era Bush. Stiglitz, embora autor de best-sellers e igualmente profético em suas análises sobre a atual crise econômica, não dispõe de um púlpito poderoso como a página de articulistas do New York Times, onde Krugman pontifica duas vezes por semana, às segundas e sextas. Ainda que a Academia Sueca não o tenha premiado por sua performance jornalística, e sim por sua valiosa contribuição a uma nova teoria sobre o comércio internacional, desenvolvida a partir de 1979 no recesso acadêmico, vale o que está implícito. Ou seja, sua vitória foi também uma vitória do liberalismo, do jornalismo crítico, de tudo aquilo que a candidatura de Barack Obama representa, e, por extensão, um triunfo do Times, que acreditou no taco do professor de economia e relações internacionais da Universidade de Princeton. Há oito anos colunista do jornal, Krugman pegou o reinado Bush desde o início e o oba-oba globalizante em seu apogeu. Cercado por uma dezena de comentaristas políticos de variada plumagem ideológica ― que podem, no máximo, ambicionar o prêmio Pulitzer, conforme salientou a sempre irônica Maureen Dowd ―, Krugman concorre mais diretamente com Thomas L. Friedman, o guru do empresariado panglossiano. Concorre ou concorria? Autor de O Mundo é Plano, bíblia da evangelização globalizante, cuja visão otimista vem sendo diariamente desmoralizada pelo atual caos econômico-financeiro, Friedman (formado em filosofia e detentor de três Pulitzers) passou a escrever mais, nos últimos tempos, sobre percalços ecológicos do que sobre as panacéias da economia mundialmente integrada. Sábia decisão, com a vantagem de ter sido tomada antes de seu êmulo ser ungido com o Nobel, justamente por duvidar (e provar matematicamente) que o mundo não é "plano". Se tomada esta semana, soaria como uma humilhante capitulação. Beneficiado por seus conhecimentos de economia, pelo destemor com que defende suas idéias, por sua aversão à promíscua relação de jornalistas com a fauna de Washington, e, dado fundamental, por escrever com clareza, sem firulas, mas com uma dose razoável de humor, Krugman transformou-se no mais importante colunista político dos EUA desde Walter Lippmann. Admirado e odiado quase que com a mesma intensidade, ninguém parece melhor equipado do que ele para analisar e denunciar as intricadas relações da política com os interesses corporativos e as exorbitâncias de Wall Street. Krugman foi o primeiro a eviscerar sem meias palavras as fraudes da administração Bush em todos os níveis e setores. Onde os demais comentaristas viam lucidez, astúcia, clareza moral, ele enxergava confusão, ineficiência e desonestidade. Quando não um surto paranóico dos mais brabos: em março de 2003 comparou Bush ao alucinado comandante Queeg, interpretado por Humphrey Bogart no filme A Nave da Revolta. Valendo-se unicamente de seus conhecimentos, Krugman detectou fraudes e manipulações posteriormente reconhecidas pelo comentariado político não atrelado à Casa Branca, mas de percepção lenta. Por que tão lenta? "Preguiça intelectual", segundo Krugman. "Mais despreparo e excessiva dependência de informantes e insiders do mundo político." Já no primeiro orçamento apresentado por Bush vislumbrou números que não batiam, promessas impossíveis de ser cumpridas, e um corte de 40% nos impostos visando beneficiar os americanos mais ricos. Bush, escreveria mais tarde, inventou a "economia Dooh Nibor" (Robin Hood ao contrário). Em outra oportunidade, equiparou-o a Robespierre, o revolucionário exterminador. Questionou a invasão do Iraque, criticou acerbamente a utilização política do 11 de setembro e quase todas as medidas de alcance social dos últimos oito anos, e alertou, com três anos de antecedência, para a bolha que se formava no mercado imobiliário, qualificando-o, com absoluta precisão, de "a fonte de alimentação do hedonismo nacional". Invejável superavit. Entrevistado no último dia 13 por Jim Lehrer, da PBS, Krugman revelou ter decidido estudar economia influenciado pela ficção científica do americano de origem russa Isaac Asimov, mais especificamente pela leitura da série Fundação, paráfrase da queda do império romano em clave science-fiction que Asimov escreveu entre 1941 e 1948. Seu herói é um matemático (Hans Seldon) empenhado em preservar a cultura do império galático, cuja decadência e posterior desintegração antevira com seus conhecimentos de "psicohistória". Krugman identificou-se com Seldon e sua missão salvacionista. E a "ciência" mais próxima da psicohistória inventada por Asimov que encontrou no mundo real foi a economia. Depois, é claro, entraram os economistas de carne e osso. Uma influência determinante foi John Kenneth Galbraith, morto há dois anos mas a cada dia mais atual. Andei lendo seu relato sobre a alvorada da Grande Depressão, O Colapso da Bolsa 1929, na velha tradução da Expressão e Cultura. Assustador. Escrito há 54 anos, em plena euforia da "sociedade afluente" por ele tão bem dissecada, lembra, nos mínimos detalhes, o que temos acompanhado pelo noticiário das últimas semanas. Seu quarto capítulo, por exemplo, intitula-se "Em Goldman Sachs nós confiamos", ironicamente, é claro. Nem sempre a história se repete como farsa. Às vezes é como tragédia mesmo. Nota do Editor Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no "Aliás", d'O Estado de São Paulo, em 18 de outubro de 2008. Sérgio Augusto |
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