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Segunda-feira, 17/11/2008 A refundação de Obama Régis Bonvicino Barack Obama não é um bom político (aquele que se adapta aos tempos e lida bem com as oportunidades na medida em que aparecem, como, por exemplo, Fernando Henrique Cardoso e Lula) mas um inovador, um grande político ― que antecipa oportunidades, que os outros não anteviram, e cria possibilidades que não existiam antes dele. Não pretende apenas implementar programas de governo mas criar novos padrões culturais para o seu país. Aliás, a comparação com Lula ou Evo Morales é de todo descabida. Obama é um escritor, um intelectual, formado em ciências políticas em Columbia, e direito em Harvard, e professor de direito constitucional. Nunca apregoou o antiintelectualismo ou antiacademicismo. Em seu discurso da vitória, no Grant Park, de Chicago, evocou um único antecessor ― Abraham Licoln (1809-1865), com mandato de 1861 a 1865, quando foi assassinado ― poucos dias depois do término da Guerra de Secessão, que contivera ― no Teatro Ford, de Washington, enquanto assistia a uma peça, pelo ator John Wilkes Booth ― defensor da causa sulista. Licoln era abolicionista. Libertou os escravos. Quando tomou posse, a Carolina do Sul declarou sua independência e foi seguida por mais seis Estados do sul. Esses Estados rebeleram-se contra a abolição. A Guerra Civil (1861-1865) ocupou todo o mandato do republicano Licoln, que, no entanto, a venceu e impediu o desmantelamento do país, com inflexão conciliatória, de integração. Depressão econômica Como afirma Michael Cohen, é equivocada a comparação de Obama com Franklin Delano Roosevelt, John Kennedy, Ronald Reagan ou Bill Clinton ― que para ele é somente "um populista para a classe média". O populismo é degradação da democracia. Por que Obama pretende superar as várias divisões internas dos EUA, entre republicanos e democratas, negros e brancos etc? Porque sem sobrepujar, numa escala ao menos média, o federalismo extremado de seu país, não vai conseguir superar a depressão econômica e a pobreza ― conseqüência, agora, da irresponsabilidade da era Reagan (o Estado é o problema) e de seus sucessores, incluindo-se o neoliberal Clinton ― um democrata do Sul, quase um republicano clássico, com seu Consenso de Washington, e excetuando-se Jimmy Carter. Obama, em seu discurso da vitória, disse: "não somos inimigos, mas, amigos", referindo-se aos eleitores de John McCain e aos seus e igualmente às divisões raciais, de classe etc. Afirmou também que sem ajuda recíproca os americanos não avançariam o suficiente para sobrepassar a depressão econômica. Obama quer se confrontar com as divisões internas dos EUA, como Licoln. Sua tarefa não é das mais fáceis. Embora tenha vencido McCain por 349 delegados (27 Estados) contra 163 (21 Estados) do senador do Arizona, este obteve 46% dos votos populares contra 53% do democrata. A divisão é visível, explosiva e se soma à uma depressão intelectual, educacional e social. Milhões de jovens não completam sequer o colegial. Há cerca de 50 milhões de pessoas sem planos de saúde e aqueles que têm não conseguem pagá-lo. Há 30 milhões de miseráveis. As redes sociais foram liquidadas pelo neoliberalismo. A ignorância passou a ser celebrada nos EUA, como observa Bob Herbert. Nos anos 60, a música popular produziu Bob Dylan, Janis Joplin e Jimi Hendrix, além do cool jazz. Hoje, Paris Hilton e Britney Spears são "ícones culturais", segundo ainda Herbert. A programação da tevê ― acrescenta o colunista do Huffington Post ― é a pior do mundo e o americano médio a assiste quatro horas e meia por dia. A brasileira é igual. Além disso, Obama pretende limitar rigorosamente as intervenções militares de seu país ― que, de 1980 para cá, fez incursões ― quase todas unilaterais, "privilégio" não só de George Bush ― em mais de 50 países. Lembram-se de Reagan em Granada em 1983, para combater a influência soviética e cubana na minúscula ilha caribenha? Ele já deixou claro que seu principal instrumento de trabalho internacional será a diplomacia e sua eleição significa o retorno dos EUA à comunidade de nações. Terá que convencer 46% dos estadunidenses. Por isso tudo, Obama não deseja apenas governar, mas refundar o país, ao almejar para ele nova unidade cultural e social. Sem essa unidade, não vai sobrepujar a depressão econômica. A "unidade" proposta pelos republicanos foi a do "inimigo" ― uma unidade bélica, que levou o país à bancarrota e à uma cultura de centro-direita muito enraizada. Seu movimento ao centro é um passo enorme. E sua vitória em si ― a de um negro, independente, filho de um imigrante africano e mãe solteira, a de alguém que não pertence à elite econômica ou à uma família tradicional (Kennedy) ― sinaliza que ele tem força suficiente para ser bem-sucedido, em médio prazo. Voto pouco envergonhado A mídia impressa brasileira ― uma das mais empobrecidas intelectualmente e uma das mais provincianas do mundo hoje ― insistiu na tese do voto branco envergonhado em McCain até a véspera da eleição. Mas, quem votou ― sem tanta vergonha ― em Barack Obama foi Condoleezza Rice ― segregada, na infância, no Alabama. Rice declarou exultante: "Os americanos não podem estar satisfeitos até que estabeleçam união perfeita", ecoando Obama. Aliás, falando em mídia brasileira, há que se cumprimentar a Globo News e o Jornal das Dez, ancorado por André Trigueiros ― que fez a mais cosmopolita, informativa e reflexiva cobertura dessa campanha que marcou ― para sempre ― o mundo. Nota do Editor Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no site Último Segundo, do portal iG. Leia também Especial "Presidente Negro". Régis Bonvicino |
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