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Segunda-feira, 8/2/2010 Considerações sobre a leitura Miriam Mambrini Girl reading on the beach, Picasso Por que o brasileiro lê tão pouco? A primeira resposta costuma ser: porque o livro é caro. Ora, esse argumento só é válido em parte. Não é preciso comprar um livro para lê-lo. Ele está disponível em bibliotecas públicas, onde ninguém precisa pagar. Pode-se também pedir livros emprestados a amigos ou comprá-los por muito pouco num sebo. O brasileiro não lê porque não tem o hábito de ler, não gosta de ler. Se recuássemos no tempo um século, três quartos de século, encontraríamos um número significativo de leitores em nosso país. Hoje, o computador, a televisão, o cinema, o esporte e a agitação da vida moderna jogaram a leitura para o último plano na opção de lazer. Isso sem falar no apelo irresistível do sol, no calor de nosso país tropical, que convida as pessoas para as praias e as atividades ao ar livre. Festas literárias, feiras e encontros vêm contribuindo para divulgar livros e autores. Ainda assim, sua repercussão não extrapola muito o pequeno círculo dos profissionais do livro. Atinge, quando muito, uns poucos aficionados de um ou outro escritor consagrado, ou simplesmente curiosos em busca de um programa diferente. As escolas vêm se esforçando para despertar o gosto da leitura nas crianças e formar futuros leitores. Pesquisas revelam que têm alcançado êxito com os pequenos. Eles gostam de ler e leem um número razoável de livros, mas não se tornam leitores por toda a vida. Aos 12 anos, o interesse decresce e os adolescentes, na sua grande maioria, consideram a leitura um dever maçante. Se paralelamente à escola houvesse o estímulo da família, e, sobretudo, o exemplo da família, talvez o quadro fosse outro e o esforço inicial não se perdesse. Mas os adultos, que também leem pouco, quando leem, não podem dar o exemplo. Ficamos restritos a um número muito pequeno de pessoas que se interessam verdadeiramente pelos livros e, em particular, pelos de literatura. Se os leitores são poucos, os livros são muitos. Os lançamentos chegam às livrarias como um tsunami literário, deixando os livreiros às voltas com o sério problema de expô-los. Como os best-sellers e os livros de autoajuda, estrangeiros na sua maioria, são uma aposta certa, acabam por inundar as bancadas mais visíveis, empurrando a produção literária nacional para um canto escondido. São esses livros já aprovados em outros países e frequentadores constantes da lista dos mais vendidos, que se compram para presentear amigos. A eles, pode-se juntar os escritos por celebridades, que têm lugar garantido na mídia. Presentes Cabe dizer que grande parte dos livros é adquirida para ser dada de presente. O comprador não vai lê-los, vai entregá-los a outros para que o leiam. Se quiserem. De qualquer maneira, o presente está dado, e dar livros revela cultura e refinamento. Espremidos, sufocados, rejeitados, os livros brasileiros de literatura contemporânea, quase sempre publicados por editoras pequenas, só são encontrados por quem já ouviu falar deles, seja por ter lido alguma resenha, seja pela recomendação de um amigo, e o pede pelo título ao livreiro. Quanto aos demais, dificilmente têm chance de deixarem as prateleiras, pois não estão acessíveis para serem folheados e despertarem a atenção. Embora o número de livros cresça constantemente, o espaço da literatura vem encolhendo. Há poucos interessados na leitura que não pretende passar ensinamentos objetivos, nem discutíveis receitas de bem viver, mas que pode trazer momentos de prazer, diversão e conhecimentos importantes sobre o mundo e os seres humanos. Para agravar o problema, alguns de nossos autores, fiéis a um modismo de certo círculo literário, escrevem livros inacessíveis ao leitor comum. Difíceis, herméticos, confusos, pesados, às vezes mal escritos, esses livros são logo abandonados por quem os comprou inadvertidamente. Mais um leitor desiste da nossa literatura e volta aos best-sellers. Sempre haverá quem queira ler, e quem queira escrever. Hoje o número dos que escrevem, aliás, parece crescer em proporção muito superior ao dos que leem. Há mesmo autores que não gostam de ler, que preferem não se deixar "contaminar" pelo estilo e pelas ideias de outros. Reverter a situação e valorizar a literatura brasileira exige dedicação e esforço por parte dos que por ela se interessam. Já falamos do trabalho das escolas, do estímulo das festas literárias e feiras. Será que editoras, livrarias e formadores de opinião estão se engajando suficientemente nesse esforço? Talvez não estejam se ocupando de um nicho importante de possíveis leitores, aqueles que raramente leem, mas que encontrariam prazer na leitura se os livros adequados lhes fossem oferecidos. Se quisermos ampliar o universo de leitores, precisamos agradá-los, mimá-los, oferecer-lhes o que gostam, trazendo-lhes boas histórias, personagens que reconhecem e algo mais: um texto ágil, bem escrito, e surpresas, pois a literatura pressupõe a surpresa, o suspense e o inusitado. Não se deve desperdiçar a chance de cativar um novo público para a literatura. Os escritores brasileiros que têm condição de encantar quem procura esquecer seus problemas no prazer de uma história bem contada, que prenda a atenção e divirta, ainda são pouco valorizados. No entanto, são eles que podem abrir as portas para novos leitores, e prepará-los para a leitura de livros mais requintados. Nota do Editor Texto gentilmente cedido pela autora. Originalmente publicado no jornal Rascunho, em janeiro de 2010. Miriam Mambrini é autora de, entre outros livros, As pedras não morrem e Vícios ocultos. Leia também a série de colunas "Leituras, leitores e livros". Miriam Mambrini |
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