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Segunda-feira, 19/7/2010
O entusiasmo de Lobato
Miguel Sanches Neto


LIANA TIMM© (http://timm.art.br/)

Depois de ter sido demitido do jornal onde trabalhava, o jovem Wilson Martins (1921-2010) recebeu um convite para secretariar o Diário dos campos ― em Ponta Grossa. Deixando Curitiba, transferiu seus estudos para o Colégio Regente Feijó, onde fez o último ano do colegial ― isso em 1938. Sempre contava que, entre seus feitos na cidade, o que mais o orgulhava era ter entrevistado o escritor Monteiro Lobato, de passagem em suas aventuras de dublê de minerador. O encontro foi tão importante para o jornalista imberbe que ele transcreveu parte da entrevista (de 20 de outubro de 1938) na sua monumental História da Inteligência Brasileira ― cujos 7 volumes a Editora da UEPG vai reeditar ainda este ano, ligando novamente o nome da cidade ao do maior crítico literário do país.

Naquele então, Lobato era o grande idealista do petróleo, e não entendia como o país não buscava ser a matriz energética do mundo. Embora acionista de companhias petrolíferas, ele veio ao Paraná em busca de minas de cobre. Mas começa a conversa reclamando das estradas do Brasil.

Diz ele, no seu jeito provocador:

"O Brasil é um país atolado. Por toda a parte: lama, lama, lama. Não temos estradas..."

Wilson brinca:

"O Brasil é um país essencialmente longe..."

E o escritor revida:

"Essencialmente longe e lamacento."

Defendendo a construção de estradas, sem as quais não haveria progresso, Lobato mostra a coerência de sua obra. Rapidamente, o jovem compara o país a um dos personagens mais famosos de Lobato, o Jeca Tatu ― o Brasil não queria se calçar. Era avesso aos hábitos da modernidade.

A conversa entre os dois tem um tom amigo, embora estivessem se conhecendo naquele momento, e Wilson contasse com míseros 17 anos. Grande ídolo da juventude, Monteiro Lobato representava uma nova idade, a da modernização.

O escritor tinha ido à cidade de Laranjeiras do Sul em busca de cobre e trazia, além das amostras deste minério, muito barro que amassara na viagem. A partir de Ponta Grossa, via trem, ele se ligava ao mundo contemporâneo, mas ansiava era pelo futuro.

É com orgulho típico dos sonhadores, esses espécimes que mudam o mundo com a força do querer, que fala de sua recente descoberta:

"Tenho aí na mala umas amostras do que encontrei. Aliás, com o cobre de Laranjeiras deu-se um fato curioso: o Ministério da Agricultura enviou um técnico, dos seus, a constatar a sua existência. Pois bem: o moço foi, viu e não encontrou o cobre. Eu, por meu lado, fui e encontrei esse precioso metal."

Com o petróleo, aconteceria a mesma coisa. Ninguém acreditava na existência de reservas petrolíferas no país, mas ele afirmava a sua existência de forma categórica, creditando a nossa descrença à ignorância, à falta de formação técnica:

"Você já sabe de tudo o que eu sei: em primeiro lugar, o Brasil TEM petróleo. Isso é a verdade mais verdadeira que eu conheço. Mas, para que se ache petróleo, não é suficiente ter entusiasmo. É preciso ter entusiasmo e ciência."

Ele possuía os dois, e não admitia um país visto a partir de nosso incorrigível caipirismo.

Lobato foi embora e continuou batendo firme em nosso atraso, fazendo cada vez mais o papel de herói civilizador, o que o levou à prisão durante a ditadura Vargas. Wilson Martins voltou para Curitiba, fez direito, foi juiz, conquistou grandes prêmios, lecionou em Nova Iorque.

Enquanto isso, muitos funcionários continuaram procurando e não encontrando nada.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado na revista D'pontaponta, em junho de 2010. Leia também "Wilson Martins (1921-2010)".

Miguel Sanches Neto
Ponta Grossa, 19/7/2010

 

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