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Segunda-feira, 9/8/2010 Marc Andreessen e o Mosaic Adam Penenberg Dois anos depois que o acadêmico britânico Tim Berners-Lee divulgou os protocolos que tornaram a World Wide Web possível, permitindo aos usuários incorporar links de hipertexto a documentos e conectá-los a outros em qualquer parte do mundo, a "superestrada da informação" era pouco mais que uma trilha de terra batida e cheia de buracos no meio do mato. A Web no início da década de 1990 abrangia menos de 1% do tráfego da internet. Com apenas alguns sites existentes, não havia muita coisa a ver. Navegar pela Web era muito difícil mesmo para o usuário de computador mais experiente, que era como Berners-Lee gostava de colocar. Ele via a Web como uma utopia acadêmica baseada em texto para a elite intelectual. Imagens, ele acreditava, só tornariam o conteúdo impuro. Pior, poderiam atrair as massas, que tendiam a publicar suas próprias revistas ou diários on-line decorados com fotos de seus gatos. Isso, ele temia, rebaixaria a Web ao pior denominador comum possível. Se alguém precisasse de uma tabela, gráfico ou fotos para acompanhar um artigo acadêmico, Berners-Lee achava que poderia carregá-los em um site via protocolo de transferência de arquivos (File Transfer Protocol ― FTP). A defasagem dos softwares em relação ao hardware era de uma década, com pequenos feudos de desenvolvedores de aplicativos controlando uma pequena e cativa população de computadores. O Gopher ajudava os usuários a localizar documentos, o FTP permitia que eles baixassem e os transmitissem e o Telnet faria a conexão com outros computadores. Aqueles que se arriscavam cegamente on-line se conectavam uns aos outros por meio de comunidades como a Well, em San Francisco, se cadastravam em grupos de discussão (ou newsgroups) e frequentavam salas de bate-papo (ou chat), muitas dedicadas a sexo e fetiches. Navegar pela internet exigia conhecimento funcional do sistema operacional Unix e de um protocolo de comunicação chamado TCP/IP. A Web não era pesquisável; era necessário conhecer os endereços dos poucos sites disponíveis que você poderia visitar. Você, então, tinha de digitar comandos e endereços misteriosos como "$ find / -type l -print | perl-nle '-e || print';" (um comando para localizar links que não apontam para nada). O cisma entre profissionais e o resto foi exacerbado ainda mais pelos sistemas de computador da época. Geeks falavam Unix, um conjunto de redes universitárias, enquanto o público brincava com máquinas Windows e Macs. Apesar do nome e das intenções grandiosas, a World Wide Web não se parecia muito com uma teia. Isso era precisamente o que Marc Andreessen, um estudante de Ciências da Computação, de 21 anos, na University of Illinois, em Urbana-Champaign, queria mudar. Educado na área rural de Wisconsin ― seu pai era um vendedor de sementes e sua mãe era uma empacotadora da Lands End, uma empresa de vendas por correio ― Andreessen achava que passaria a vida trabalhando com computadores mesmo antes de utilizar um. Com 10 anos, ele retirou um livro de informática da biblioteca local e aprendeu Basic (uma linguagem de programação) sozinho. Com 11 anos, ele codificou seu primeiro aplicativo: uma calculadora virtual para ajudá-lo em suas lições de matemática, até o zelador desligar a luz elétrica e destruir sua obra. Logo depois, seus pais compraram um Commodore 64 por $595, que ele conectou à sua televisão, armazenando arquivos em um gravador de cassete. Ele aprendeu rapidamente que o hardware tinha limitações, mas, com o software, ele só estaria limitado pela imaginação. Qualquer coisa era possível, mesmo assim, nada era factível se o programa não funcionasse. Andreessen matriculou-se na universidade para estudar Engenharia Elétrica, pensando que isso seria mais bem remunerado, mas acabou em Ciências da Computação porque exigia menos trabalho. Trabalhando meio expediente por $6,85 a hora criando programas gráficos 3D no National Center for Supercomputing Applications (NCSA), Andreessen passava horas em salas de bate-papo e pesquisando a Web, frustrado com as dificuldades de navegação. O navegador de Berners-Lee, lançado em fevereiro de 1991, só executava em máquinas NeXT, que compunham uma fração dos computadores no mundo, e exibia uma linha de texto de cada vez, como uma máquina de teletipo. Vieram outros navegadores, todos muito limitados. O Erwise, lançado por estudantes na Universidade de Tecnologia de Helsinki, em abril de 1992, foi o primeiro a funcionar em outras máquinas que não o NeXT, mas o desenvolvimento foi interrompido quando os estudantes se graduaram e passaram para outros projetos. Pior, ele foi codificado em finlandês. O Viola foi criado na Berkeley e incorporava folhas de estilo e tabelas além de uma função de marcador de páginas para que os usuários pudessem monitorar sites visitados e marcar quais eram seus favoritos, mas era notoriamente difícil de instalar. O Midas WWW, desenvolvido no Stanford Linear Accelerator Center, só funcionava em computadores Unix e Vax, ao passo que o Mac WWW foi primeiro projetado expressamente para o Macintosh. Andreessen decidiu criar seu próprio navegador, um que combinaria Telnet, Gopher e FTP em um único programa, e ocultá-lo atrás de uma interface gráfica atraente e fácil de dominar. Isso aprimoraria o trabalho de Berners-Lee, que havia criado um padrão para a Web, fundamental para a evolução da internet. A Europa do século XVIII só conseguiu passar das economias agrária e artesanal para a industrialização maciça quando os países chegaram a um consenso em relação a pesos e medidas padronizados. Nos Estados Unidos pré-revolucionários, cada colônia cunhava moedas e emitia suas próprias cédulas, o que dificultava a marca do comércio. Eli Whitney fez fortuna inventando peças substituíveis para mosquetes em 1790, tornando o maquinário reparável e mais eficiente. Os padrões de Berners-Lee tinham o potencial de um impacto semelhante na comunicação digital, exceto que, por si sós, eles não tinham um alcance suficientemente amplo. Como ocorreu com o comércio internacional na Europa do século XVII, navegar pela Web era ineficiente, demorado e, em grande medida, limitado àqueles que conheciam meios de troca (nesse caso, sistemas de computador misteriosos). É aqui que Andreessen entra em cena. Ele queria democratizar a internet para que qualquer pessoa com um computador e um modem pudesse navegar on-line. Assim, os usuários não precisavam conhecer Unix, Linux, Perl ou DOS. A Web estaria aberta a todos, e, se seguisse os ditames da história, cresceria para muito além da comunidade acadêmica enclausurada. Ela se tornaria verdadeiramente uma World Wide Web. Até 1866, quando o primeiro cabo transatlântico foi estendido, o modo mais rápido de enviar notícias internacionalmente era levar pombos-correios nos navios e soltá-los perto da costa. No início do século XX, operadores da bolsa de valores chamados pad shovers (mensageiros) corriam do escritório de um corretor para outro, anunciando os preços mais recentes, que eram transmitidos por telégrafo e publicados nos jornais do dia seguinte, enquanto redes de tubos pneumáticos movidos a ar comprimido transmitiam pequenos pacotes urgentes como cartas, relatórios de compras de ações ou dinheiro, ao longo de distâncias curtas. Surgiram, então, o telefone, o rádio e a televisão. Mesmo assim, somente com o surgimento da internet é que a comunicação visual e auditiva instantânea foi possível sem levar em consideração a geografia. Qualquer um estaria interconectado, e isso teria impacto profundo sobre. tudo. A ideia chocou a mente de Andreessen. Contudo, ele precisava de ajuda. No início, Eric Bina, um programador em tempo integral no NCSA, recusou o convite para trabalhar com Andreessen dizendo estar muito ocupado. Andreessen insistiu, esboçando uma visão quase mística da World Wide Web, um lugar onde as pessoas poderiam acessar informações de um modo completamente diferente. Ele encorajou seu colega, percebendo que o melhor modo de convencer Bina a fazer alguma coisa era dizer-lhe o quanto isso seria impossível. Eles formavam uma dupla ideal. Enquanto Andreessen tinha um apetite voraz e uma visão cósmica do mundo, Bina era baixo, tímido e compenetrado, o tipo de colega curioso que se sentava em uma escrivaninha e via moléculas. Andreessen era uma pessoa naturalmente disposta a assumir riscos, "evangélico" em comparação com o "apreensivo" Bina. George Gilder descreveu-os desta maneira: Andreessen era "expansivo" e "pródigo, com largura de banda"; Bina se preocupava "com cada bit" e era "focado". Mosaic Depois de receber a aprovação para o projeto, os dois começaram a codificar, no final de 1992. Andreessen queria que o programa processasse imagens, mas, Bina, como Berners-Lee, estava preocupado com o fato de as pessoas abusarem dele e, como os arquivos gráficos eram bem maiores do que texto, ele temia que pudessem derrubar redes inteiras. Andreessen, a antítese do acadêmico utópico, afirmava que era o momento de alguém dar um pouco de cor à Web. Ele acreditava que a maioria dos usuários, aqueles com os quais ele se comunicava nas salas de bate-papo e fóruns, adoraria incluir fotos, e isso atrairia outros à Web. Bina cedeu. Ao esboçar as características de seu navegador, eles concordaram que este teria de ser confiável, fácil de usar (como as guias suspensas no sistema operacional da Apple) e extremamente indulgente. Diferentemente de outros navegadores, se houvesse erros no código HTML de uma página, o navegador ainda acessaria o conteúdo. Ele também permitiria aos usuários criar páginas Web pessoais, o que estimularia as pessoas a criar identidades on-line. A escolha do momento foi um golpe de sorte por parte de Andreessen; estar no lugar certo no momento certo. O programa de supercomputação do NCSA foi criado em meados dos anos 1980 porque o governo acreditava que era crucial fornecer aos cientistas uma infraestrutura de computação poderosa. Mais ou menos em 1990, porém, os centros de supercomputação americanos começaram a desativar os gigantescos Crays. Os centros não tinham recursos para mantê-los em execução, especialmente com o advento dos microprocessadores eficientes em termos de custo-benefício. Como custava $500 mil remover um único supercomputador das instalações e os cientistas preferiam analisar os dados em suas escrivaninhas em uma estação de trabalho DEC Alpha ou em máquina da Silicon Graphics, eles permaneceram lá, inativos. Nesse ritmo de inovação, um vasto poder de computação estaria disponível a praticamente qualquer pessoa em questão de alguns anos e isso mudaria profundamente o panorama tecnológico. Computadores seriam fabricados em massa e os usuários só precisariam de uma ferramenta simples e intuitiva para navegar pela internet. Nas seis semanas seguintes, Andreessen e Bina se esconderam no porão do Oil Chemistry Building, analisando meticulosamente os códigos dia e noite. Por quatro dias sem parar, Andreessen se alimentava com biscoitos e leite e Bina com salgadinhos e refrigerante. Cada um trabalhava nas partes que mais lhe interessava, de tal maneira que aquilo tudo não parecia ser trabalho. Trabalhando na linguagem de programação C, Bina compilou o mecanismo de renderização real que exibia o conteúdo, e Andreessen projetou a interface ― a aparência e o comportamento do navegador ―, bem como o back-end de rede. Eles batizaram o projeto de Mosaic depois que Andreessen exibiu os elementos gráficos como um mosaico dos ícones nos quais os usuários poderiam clicar. A versão Unix deles continha 9 mil linhas de código, uma fração do tamanho do Windows 3.1 da Microsoft, o sistema operacional prevalecente na época, que tinha cerca de 3 milhões de linhas. Depois que alguns amigos testaram se ele tinha bugs, Andreessen o tornou público. Na manhã de 23 de janeiro de 1993, ele postou uma mensagem em vários quadros de aviso on-line que, em parte, dizia: "Pela autoridade conferida a mim por ninguém em particular, lanço aqui o navegador X Mosaic para a World Wide Web, baseado nos sistemas de informação e navegação Motif do NCSA. Saudações, Marc" O X Mosaic (posteriormente eles removeram o X) foi o primeiro sucesso esmagador da internet, com os primeiros adotantes entusiásticos evocando uma poderosa campanha de marketing boca a boca. Mesmo o próprio rei da Web, Tim Berners-Lee, achou o Mosaic "brilhante", "excitante" e "cheio de recursos", prometendo divulgá-lo dentro da comunidade. Andreessen impressionou-se com os elogios e perguntas que inundavam sua caixa de e-mail. Era difícil acompanhar a correspondência ― pessoas com perguntas técnicas, sugestões para recursos mais avançados, resultados de testes de bugs. As empresas queriam licenciar o navegador ou esperavam comercializá-lo. Assim que ele achou que as coisas se acalmariam, uma nova onda chegou. Seis meses depois do lançamento, a versão Unix do Mosaic, pela contagem de Andreessen, tinha 100 mil usuários. Mesmo antes de terminar o Mosaic, Andreessen e Bina tinham reunido cinco colegas do NCSA para codificar versões Windows e Mac, e um software para executar um servidor Web. O software atraiu a atenção de todo tipo de programador, incluindo crackers, e uma competição amigável se desenvolveu. Além de aspectos relacionados à velocidade de execução do software, eles também incorporaram recursos adicionais, como um cursor que mudava de forma quando posicionado sobre hiperlinks para facilitar sua identificação. Durante a semana de Ação de Graças de 1994, no primeiro dia em que o Mosaic estava disponível para PCs, o servidor do NCSA ficou sobrecarregado e travou. Em dezembro, quando Andreessen se graduou, mais de 1 milhão de pessoas navegavam pela Web com o Mosaic nas versões Unix, Windows e Mac. Efeitos de rede Andreessen havia desenvolvido "um efeito de rede", um termo inicialmente utilizado para descrever a disseminação do telefone no início do século XX. Em poucas palavras, quanto maior o número de pessoas que possuíssem um telefone, mais valiosa seria a linha para cada pessoa na rede. O número potencial de conexões cresce exponencialmente em relação ao número de pessoas na rede. Uma rede com 5 membros produz 20 conexões possíveis, enquanto 20 resultam em 380 potenciais conexões. Milhares de usuários resultam em centenas de milhões de conexões. Milhões de usuários. bem, você pegou a ideia. O Mosaic estabeleceu um loop de feedback positivo: quanto mais pessoas descobriam o navegador de Andreessen, mais pessoas o disseminavam, e isso liberou um fluxo de viralidade subsidiário expresso na população on-line cada vez maior e no número de sites. Quando mais pessoas baixavam o Mosaic, mais sites elas criavam. Isso atraiu usuários adicionais, que construíam mais páginas Web. Quanto maior a população on-line, maior a utilidade de estar lá ― tanto para aqueles que já estão como para aqueles que a acessam pela primeira vez. O lançamento das versões separadas para Macintosh e Windows aumentou a viralidade, à medida que o grande público começou a romper essa esfera acadêmica antes impenetrável. Em 1992, 4,5 milhões de pessoas estavam conectadas à internet e havia talvez uns 50 sites. No final de 1993, 1 milhão de pessoas havia baixado o Mosaic, e existia um total de 6 milhões de usuários e 623 sites. Em um ano a população on-line saltou para 13 milhões, com 10 mil sites. O tráfego Web aumentou em mais de 300%, com os usuários criando suas próprias homepages, carregando fotos e configurando salas de bate-papo. A Web de hoje, com mais de 1,5 bilhão de usuários no mundo todo e quase 200 milhões de sites, deve sua existência a três homens: Paul Baran, da Rand Corporation, que concebeu a internet; Tim Berners-Lee, criador da World Wide Web, e Marc Andreessen, que descobriu como navegar nela. Em essência, Baran forneceu o terreno, Berners-Lee construiu as estradas e Andreessen produziu os veículos (Figuras 1 e 2). Em alguns anos, Andreessen saberia precisamente o que fazer. Em 1993, porém, não havia um caminho claro para capitalizar lucros sobre um navegador Web gratuito, e as empresas recém-criadas não floresciam exatamente dos milharais em Illinois. Além disso, como o Mosaic foi codificado sob a égide do NCSA, o navegador não pertencia a Andreessen. O centro de supercomputação não hesitou em reivindicar seus direitos de propriedade. Assim que Andreessen decidiu se graduar, em dezembro de 1993, um artigo na primeira página do New York Times, no caderno de negócios, chamava o Mosaic de "um mapa para tesouros enterrados da Era da Informação", aclamado como "o primeiro aplicativo arrasador da computação em rede", e listava empresas, incluindo Digital Equipment Corporation, Xerox e Novell, que procuravam modos de explorá-lo para o comércio on-line. Larry Smarr, diretor do NCSA, citado por afirmar que o Mosaic era "a primeira janela para o ciberespaço", recebeu todos os créditos, completo com uma fotografia, enquanto seus criadores não foram nem mesmo mencionados. Para botar ainda mais lenha na fogueira, o NCSA, que havia assinado contrato de licenciamento de $1 milhão pelo trabalho de Andreessen, pediu que ele permanecesse em tempo integral como gerente ― mas não no Mosaic. Andreessen nem se preocupou em pegar seu diploma antes de mudar de cidade. Mais tarde ele afirmaria lamentar ter estudado Ciências da Computação e que preferia ter feito os cursos de Filosofia e História. Tentando esquecer tudo sobre o Mosaic, Andreessen mudou-se para o Vale do Silício, onde foi contratado por uma pequena empresa especializada em inteligência artificial e consultoria na área de defesa. O emprego não duraria três meses. (Continua aqui...) Nota do Editor Texto integrante do segundo capítulo do livro Viral Loop, de Adam Penenberg, e reproduzido aqui com autorização da editora Campus. Para ir além Adam Penenberg |
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