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Segunda-feira, 6/9/2010
Palhaços e candidatos
Luís Antônio Giron


LIANA TIMMİ (http://timm.art.br/)

Era uma vez um país cujo governo aboliu o riso. O presidente baixou uma lei que vetou a seus cidadãos fazer piadas sobre os candidatos durante a campanha eleitoral. Os humoristas profissionais se entristeceram e protestaram, fizeram passeatas e denunciaram a censura. Berraram palavras de ordem até não mais poder. De nada adiantou. Mas o riso, como a primavera, não se refreia. E assim, nesse ínterim, para saciar a sede de comédia da população, os candidatos a cargos públicos passaram a se encarregar de fazer humor durante o programa eleitoral obrigatório, veiculado por emissoras de rádio e televisão. Como que sentindo falta de quem os esculhambasse, assumiram o papel de palhaços e fizeram o povo gargalhar. Não é de espantar que um humorista se destacasse ― e deixasse seus colegas comendo poeira, embasbacados e impotentes.

Foi assim que o comediante cearense Tiririca, candidato a deputado federal por São Paulo, tomou a dianteira da campanha e lançou o bordão: "Vote no Tiririca. Pior que está, não fica". E outro: "Você sabe o que faz um deputado? Eu não sei, mas vote em mim que eu te conto!". Outras celebridades televisivas vieram se juntar à trupe do nonsense, como a Mulher Pêra, o costureiro Ronaldo Esper, o filho do apresentador Raul Gil e o lutador Maguila. Comediante ganha a eleição ― e a piada.

Indignado com a nova ordem, um bando de humoristas se reuniu no dia 22 de agosto em Copacabana, no Rio de Janeiro, para bradar contra a censura e, de quebra, a nova forma de monopólio sobre o humor. A manifestação, organizada pelo grupo Comédia em Pé, contou com as presenças de grandes humoristas, da turma dos programas Casseta & Planeta e Pânico a comediantes como Sérgio Mallandro e Bruno Mazzeo. Surgiu assim a stand-up comedy for your rights. "Humorista unido, jamais será comido!", gritaram, enquanto desfilavam à beira-mar. "Iu, iu, iu! Tiririca nos traiu!" Outra palavra de ordem: "Um, dois, três! Quatro, cinco, seis! Sete, oito, nove! Dez, onze, doze..."

O Brasil é o país em que a mascarada precede a História, ou é a essência da própria História. A querela começou em 30 de setembro de 1997, quando a Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República publicou a Lei nş 9.504, que proíbe piadas e caricaturas de candidatos durante a campanha. O Artigo 45, inciso II da lei diz que é vedado a emissoras de rádio e televisão "usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação, ou produzir ou veicular programa com esse efeito". Desde a gestão presidencial retrasada, ninguém pode fazer piadas sobre nossos governantes e nossos ínclitos candidatos. Em palavras menos jurídicas, são treze anos de censura ao exercício profissional dos humoristas. Como viver sem tirar sarro dos políticos e aspirantes a cargos executivos e legislativos? E como concorrer contra políticos palhaços, principalmente se você está amordaçado?

As histrionices de Tiririca podem ser engraçadas, mas evocam o travo do autoritarismo que arrastou o Brasil a seus momentos de maior terror. Não há lei que impeça que um político se valha de recursos jocosos para ridicularizar a si próprio e, em decorrência, à política como um todo. O que é, convenhamos, um gesto muito mais subversivo que o próprio humor profissional. O candidato que desqualifica a política age como um perfeito fascista. Ele descrê do Estado de Direito e da vida democrática. Seu gargalhar tem sabor de escárnio. O pior é que esse tipo de gente sempre encontra adeptos. Devemos respeitar suas opiniões, pois, afinal, vivemos em uma democracia, ainda que sob censura. E aí temos de aturar candidatos monstruosos e ridículos, que fazem rir ao mesmo tempo em que provocam nossa repulsa.

O brasileiro sempre fez piada com política. E a prática era bem mais saudável no passado. Em 1958, em São Paulo, o candidato a vereador Cacareco recebeu 95 mil votos e foi o vereador mais votado. Pena que se tratava de um rinoceronte. A ideia do lançamento da candidatura do rinoceronte foi de um jornalista, Itaboraí Martins, indignado com o baixo nível dos candidatos naquele pleito. Em 1988, o fenômeno se repetiu, dessa vez por obra dos comediantes do jornal Casseta & Planeta. Eles lançaram a candidatura a prefeito do Rio de Janeiro do Macaco Tião. O animal amealhou 400 mil votos e foi o terceiro candidato mais votado nas eleições municipais. Infelizmente, a urna eletrônica e as leis reguladoras acabaram com esse tipo de graça, impedindo que tais candidaturas ganhassem estatuto de realidade. Nos anos 90, veio a lei da mordaça da sátira. Progressivamente, perdemos o recurso do humor como intervenção na realidade.

Em países mais civilizados, como Estados Unidos, França, Alemanha e Argentina, jamais existiram Cacarecos e Tiões. E raramente a liberdade de expressão é impedida. A classe política desses países tem a imagem enxovalhada pelos programas de televisão. E os candidatos muitas vezes fazem questão de aparecer nesses programas, expondo-se ao ridículo, mas se defendendo como podem. Foi o que aconteceu em 2008 quando o então candidato Barack Obama apareceu em diversos shows de TV e soube usar a piada a seu favor. Também a candidata à vice-presidência dos Estados Unidos Sarah Palin foi convidada a aparecer no programa humorístico Saturday Night Live. Sarah topou e acabou contracenando com a comediante Tina Fey, que conseguiu personificar uma Sarah mais verdadeira que a candidata original. Nada pior que a censura para a reputação de um candidato democrático.

No Brasil, porém, os políticos e candidatos gozam da imunidade humorística. Podem zombar do eleitor, mas não ser alvo de pilhéria. Deu-se por aqui a separação de duas categorias que sempre viveram em saudável desarmonia: os palhaços e os políticos ou aspirantes à política. Agora quem quer ser palhaço precisa se candidatar a um cargo. Como resultado, palhaço e político atendem pelo mesmo título eleitoral. Ao contrário do bordão de Tiririca, pior que tá, fica!

Era uma vez um país que se levava demasiadamente a sério. A suposta austeridade encobria o pavor que os políticos tinham de passar por ridículos. Temiam ser desmascarados. E assim a história da sátira política daquela nação foi varrida para debaixo do tapete.

Moral da história: na estrita observância da lei, ri quem pode, cala-se quem tem a piada na ponta da língua.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no site da revista Época, antes, portanto, de o Supremo Tribunal Federal permitir que humoristas possam fazer piadas envolvendo candidatos a cargos políticos. Leia também Especial "Eleições 2010".

Luís Antônio Giron
São Paulo, 6/9/2010

 

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