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Segunda-feira, 18/10/2010 O grande ausente Miguel Sanches Neto A morte de um autor desencadeia um senso de justiça que é muito mais difícil de ser praticado com a pessoa viva. Este sentimento nobre que a morte aviva pode se manifestar de várias formas ― artigos críticos, dossiês, rememorações, homenagens as mais diversas, e também reações histéricas. Sim, mesmo as reações de histeria acabam incluídas neste movimento de enunciar um autor. Nenhum, no entanto, é mais legítimo do que a vontade de leitura que surge quando sabemos que um autor morreu e ainda não o lemos. O leitor é tomado por um remorso que o responsabiliza perante um legado. E se processa o retorno à obra da pessoa recentemente morta. Outro movimento decorrente deste impulso é a republicação ou publicação dos livros daquele que subitamente se fez o grande ausente. Mais do que interesse comercial, a publicação de suas obras representa também uma tentativa de preencher o espaço antes ocupado pelo autor. No lugar dele se coloca a obra, garantindo uma plenitude outra, a da palavra. Tendo sido uma presença forte na cultura brasileira desde os anos 50, Wilson Martins (1921-2010) passou por momentos de grande prestígio intelectual e por outros de ostracismo. Mas suas análises críticas, pela independência, sempre eram acontecimentos na vida literária brasileira, mesmo depois de ele ter sofrido um rebaixamento midiático. A centralidade de uma obra não está no seu local de circulação, mas na sua força crítica. E esta força nunca faltou aos artigos de Wilson Martins, nem quando, profissional exposto à ingrata tarefa de ler primeiro, ele errava feio em seus julgamentos. Assim, no começo dos anos 1990, quando volta a Curitiba (depois de 30 anos lecionando nos Estados Unidos), e começa a recolher seus textos de jornal na série Pontos de vista (pela T.A.Queiroz), Wilson Martins se encontra isolado, apesar dos terremotos gerados a cada artigo seu. No início de minha militância crítica, na Gazeta do Povo, jornal que acolheu Wilson Martins no seu retorno ao Brasil, escrevi alguns artigos sobre ele. Sem ainda o conhecer pessoalmente, recebi cartas dele, nas quais falava deste exílio. Em 06 de maio de 1994, escreveu: "Estou relendo na Gazeta [do Povo] o seu consagrador artigo. Minha satisfação é tanto maior quanto seus comentários acertaram na mosca, ao mesmo tempo em que abalaram o muro de silêncio que se ergueu ao redor dos Pontos de vista". Depois de outro texto meu, sobre o volume seguinte desta série, ele volta ao assunto em 26 de dezembro do mesmo ano: "Recebo o seu artigo como o melhor presente de Natal e recompensa da persistência com que me mantive na estacada. Ai de mim! Sou o último dinossauro". Aos poucos, este muro de silêncio foi sendo abalado por outras vozes, que reconheceram o trabalho de Wilson Martins, mas este reconhecimento ainda está nas fases iniciais. Alguns de seus livros voltaram a circular ― como A palavra escrita (Ática, 1998), A ideia modernista (Topbooks, 2002), A crítica literária no Brasil (Francisco Alves, 2002) e as reuniões de O ano literário (Topbooks, 2005/2007), mas faltava o principal, reeditar a enciclopédica História da inteligência brasileira. E é esta tarefa desmedida que a Editora UEPG (da Universidade Estadual de Ponta Grossa) acaba de concluir solitariamente. Foram anos de trabalho para fazer a digitação, as conferências do autor, a revisão ortográfica, o projeto gráfico e o índice onomástico das 4.600 páginas que compõem este que é o maior ensaio escrito por uma única pessoa na literatura brasileira. A reedição estava concluída quando Wilson Martins morreu. (E agora é lançada na Bienal do Livro do Paraná, na esperança de que seja um dos marcos de uma nova fase editorial em nosso Estado.) Anos atrás, uma revista especializada fazia uma matéria elegendo a História da inteligência brasileira como o livro mais plagiado no ambiente universitário. Ela foi fonte de muitas cópias indevidas não apenas em trabalhos acadêmicos, mas também nas recuperações de autores esquecidos da literatura brasileira. A produção de Wilson Martins permanecia secreta, não era muitas vezes nem citada nas teses, dissertações e ensaios, mas estava no interior deles. Como poucos conheciam ou reconheciam o ensaio, ele podia ser saqueado à vontade. Esta reedição dentro do circuito universitário quer colocar Wilson Martins à disposição do leitor interessado em compreender o movimento das ideias no Brasil. Pela natureza arquivista desta obra, há uma riqueza imensa de dados e de avaliações, dotando-a de um valor único ― ela funciona como uma imensa biblioteca reduzida a dimensões legíveis. A sua republicação é mais um esforço para abalar o muro de silêncio e para criar uma vontade de leitura que seja uma convivência intensa com um autor que, quando vivo, a cultura brasileira desperdiçou. Nota do Editor Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no jornal Gazeta do Povo. Leia também "Wilson Martins (1921-2010)". Para ir além História da inteligência brasileira. Miguel Sanches Neto |
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