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Segunda-feira, 10/2/2003 O poeta da estranheza Pedro Maciel "o pauloleminski/ é um cachorro louco/ que deve ser morto/ a pau a pedra/ a fogo a pique/ senão é bem capaz/ o fdp/ de fazer chover/ em nosso piquenique". Esse texto do poeta curitibano traduz um pouco a vida que levou Leminski (1945-1989). Bebeu em todas as fontes. Escreveu ensaios, letras de música, traduziu Bashô e Homero, exerceu o jornalismo, viveu nos tempos das liberações. Polêmico e inovador. Um autor que se perguntava: para que servem os poetas? Leminski e Ana Cristina César são os dois mais importantes poetas da geração de 70. Geração marginal. Aliás, a maioria dos poetas da geração 70, descobertos pela ensaísta Heloísa Buarque de Hollanda, não é de bons artesãos, não domina o instrumento e não sabe do que se trata o passado e por isso não levam adiante "o que estava jóia". São apenas ignorantes, pensava Leminski. No artigo "Tudo, de novo", Folha de São Paulo (março de 1983), o poeta anota que "uma das grandes novidades é que o poema ficou portátil. Leve de carregar. Grafitável, numa palavra. Nisso, puxou por vários dos seus avós: Blaise Cendrars, Oswald de Andrade, antropólogos em geral. Ou aquele Drummond angloautomobilístico dos anos 30: Stop./ A vida parou. Ou foi o automóvel?". Leminski era como o Fausto de Goethe. Preferiu viver como um estranho. O ex-estranho, Editora Iluminuras, é o título da última coletânea de poemas inéditos. Ainda falta publicar contos, ensaios e uma novela. O poeta multimídia era um estranho em sua própria terra. Um estrangeiro. Um homem do mundo morando no interior do Brasil. No poema o ex-estranho um breve auto-retrato: "passageiro solitário/ o coração como alvo/ sempre o mesmo, ora vário/ aponta a seta, Sagitário/ para o centro da galáxia." Leminski esteve no mundo em busca de aventura. O que importava era ter a vida na mão. Saber de cor e salteado os truques pra se levar a vida. Essa vida tão falada e banal. Mas Leminski queria a vida também escrita. Reescritura de vida. Reescreveu as lendas e ecos dos emigrantes poloneses do sul brasileiro. Incorporou a voz sofrida e cantada do povo negro da África. Desta miscigenação nasceu a poesia de Paulo Leminski. Poesia que a gente encontra em toda parte. Talvez o livro mais impressionante de Leminski seja o Catatau. Texto fragmentado, tendente ao barroco. Fala a língua de James Joyce e Guimarães Rosa. É um rosário de preces contemporâneas do francês René Descartes. O poeta imagina a vinda do filósofo ao Brasil durante o período das invasões holandesas. No livro o filósofo é chamado de Renatus Cartesius e mora na Recife do século XVII. O livro não tem roteiro ou enredo. É uma fábula exemplar. Um livro sem estilo. Leminski à maneira borgiana fez muitas fábulas. Reescreveu o mundo que poderia ter sido e não foi. Reinventou o texto para contextualizar, contestar, protestar. O texto de Leminski é quase sempre um protesto. Um pré-texto. Texto que mais parece uma "proesia" sonora, segundo o poeta Carlos Ávila, "cheia de invenções léxicas trabalhadas artesanalmente no melhor sentido joyceano-macarrônico, procurando dar continuidade às conquistas de Oswald, Rosa e Haroldo de Campos, indo muito além dos contistas e romancistas em cena atualmente no Brasil". Leminski era um poeta que viveu praticamente à margem em nossos tempos pós-modernos. Poeta de um rigor sintético admirável e ao mesmo tempo caprichoso e relaxado. O poeta que mais se aproxima de Torquato Neto. O Nosferatu. Poeta popular, pop, para tocar no rádio. Leminski homenageou Torquato num belo poema: "Coroas para Torquato/ um dia as fórmulas fracassam/ a atração dos corpos cessou/ as almas não combinam/ esferas se rebelam contra a lei das superfícies/ quadrados se abrem/ dos eixos/ sai a perfeição das coisas feitas nas coxas/ abaixo o senso de proporções/ pertenço ao número/ dos que viveram uma época excessiva". Romântico e utópico: "Vai vir um dia/ quando tudo o que eu diga/ seja poesia". Leminski era também um poeta com consciência intersemiótica. Vivia com a cabeça ligada no planeta e os pés plantados na terra de nascimento: "Um dia/ a gente ia ser homero/ a obra nada menos que uma iliada/ depois/ a barra pesando/ dava pra ser aí um rimbaud/ um ungaretti um fernando pessoa qualquer/ um lorca um éluard um ginsberg/ por fim/ acabamos o pequeno poeta de província/ que sempre fomos/ por trás de tantas máscaras/ que o tempo tratou como a flores". Nota do Editor Ensaio gentilmente cedido pelo autor. Publicado originalmente no Jornal do Brasil, a 7 de dezembro de 1996. Pedro Maciel |
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