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Segunda-feira, 11/8/2003 A blague do blog Luís Antônio Giron Tornou-se famosa a blague do magnata da mídia Assis Chateaubriand, o Chatô, que costumava ralhar com seus empregados: “Quem quer ter opinião, que compre um jornal!”. Hoje, quem quer ter opinião só precisa “postar” num blog na internet. “Blog” é a corruptela de “weblog”, diário da Web, termo inventado em dezembro de 1997 pelo nerd e teórico americano Jorn Barger. Ninguém tem de saber linguagem ASP, PHP ou a já anciã HTML para publicar num blog; ele não passa de um site simplificado, organizado em ordem cronológica, com recursos básicos dos sites, como possibilidade de dar upload (carregar) de imagens e links. A ferramenta, grátis, revela-se tão fácil quanto um programa de e-mail sediado na web. Tecnicamente, o blog, instrumento público, transforma qualquer usuário da Internet em emissor de idéias, em “blogueiro”, como se diz no jargão internético local, ou “blogger”, na expressão consagrada em inglês. Há dezenas de sites que fornecem gratuitamente espaço para blogs. É fácil deduzir as conseqüências da facilidade: proliferam blogs como baratas Internet adentro, alguns deles com cérebro de insetos. Outros atuam feito bombas de dissuasão/persuasão. É preciso compreender se o fenômeno é modismo ou representa a sonhada democratização dos meios de comunicação. A blague do blog é que, a despeito de seu amadorismo fragmentário, ele está balançando as estruturas da imprensa. De um salto, os blogs grudaram as ventosas na jugular do “quarto poder”, sugando seu sangue e sujando seu nome. Isso porque o assunto favorito dos blogueiros tem sido a mídia. Blogs são “fantasy shows” contra a imprensa. A exemplo do Napster, que livrou a música do CD e quebrou o show business, os blogs provocam a metástase das palavras e podem levar a mídia à bancarrota. Jamais a espetacularização da informação foi tão anarquizada quanto com o advento do blog. A curiosidade do internauta não resiste. A blogagem triunfa porque chamou a atenção da imprensa – ela própria feitora de blogs às ocultas em redações. E pensar que os blogs começaram como esconderijo de adolescentes onanistas nos idos de 1994... Na época, a Netscape lançou o primeiro navegador com interface gráfica. As homepages ganharam relevo, principalmente com o site Geocities, que oferecia (e ainda oferece) hospedagem gratuita de sites. Naquele tempo não se falava em “portal” nem em blogs. Milhões desenvolveram páginas pessoais. Mas elas exigiam do usuário algum conhecimento de linguagem HTML, o que significava “pegar o touro com a unha” e montar vírgula com rotinas e códigos. Logo os pré-blogueiros caíram do touro bravo e até hoje sites-zumbis, com sintaxe arcaica, erram clamando por um log-off de misericórdia. Em 1997, nerds simplificaram o processo, oferecendo modelos pré-fabricados, os blogs. O site Infosift foi o primeiro a compilar weblogs como categoria à parte. Em 1999, apareceram ferramentas que melhoraram a operação. Resultado, a comunidade blogueira sofreu um pop-up em escala malthusiana. Onã foi o deus fundador da genealogia blog. Diários íntimos deram a largada. Avatares de cartoons comentavam clipes no anos pré-MP3. As mulheres encontraram na ferramenta o meio ideal de ampliação de suas febres eróticas. Na extrema-unção da década de 90, era fácil topar com precursoras do livro A Vida Sexual de Catherine M. – que não passa de um blog às antigas em papel. Os aliases, como são chamados os pseudônimos na Web, viraram procedimento comum. Os blogs se expandiram para todos os fins e línguas: diários íntimos, receituários, blogs de escárnio e maldizer, de amigo, de comentários sobre blogs, blogs de blogs de blogs. Ao sol do caos, a árvore cresceu frondosamente. Dados do site de busca Blogdex, do MIT, da conta de mais de 500 mil blogs no ar no mundo. Três anos atrás, segundo a mesma fonte, havia 23 weblogs. O site BlogTree escrutina as árvores genealógicas de blogs. Ostenta hidras com milhões de cabeças que engendram outras tantas. O fato atual peculiar reside no deslocamento da expressão subjetiva para o plano da circulação pública de informação. A opinião, esta quimera, foi promovida à carta magna da nebulosa blog. A intimidade escancarada do diário dá lugar ao questionamento da mídia, à agonística – a luta pela leitura crítica – no mundo impalpável da Rede. Onã anseia em ser Aeropagita, polemista de grandes causas, e debater-se no areópago gigantesco da infovia. É lícito remeter a discussão à Aeropagítica, de John Milton, discurso que o poeta proferiu em 1644 no parlamento britânico pela liberdade de imprensa. Cria Milton que o saber é um processo dinâmico, construído com opiniões e deslizes que alumiam o progresso: “Onde é grande o desejo de aprender, é também grande a necessidade de discutir, de escrever, de ter opinião. Porque a opinião, entre homens de valor, é conhecimento em formação”. O opínio-onanismo da cultura blog ganhou impulso na razão direta das megafusões das empresas de comunicação, na virada deste século. Quanto mais fortes e automáticas as corporações, mais bagunçada soa a ala blog. AOL-Time Warner contra o gonzo – imprensa de gozação surgida nos anos 70 nos EUA. O fundador do gonzo journalism, o americano Hunter S. Thompson, cunhou um aforismo sobre sua atividade e que serve como profecia: “Quando as coisas ficam bizarras, os bizarros viram profissionais”. Adentrar a selva selvaggia dos blogs pode ser uma expedição desgastante, mas hilária. Há uma profusão de brasileiros blogados 24 horas, morando na rede, transmitindo notícias e boatos, exaltando o palavrão e a gíria. Embaralham expressão, opinião e diálogo. Blogs perigam degenerar em monólogos lunáticos. Reclama-se da ausência de ética de alguns. Mas talvez o que mais lhes falte é talento. Há os que se ocultam em aliases, como as garotas ousadas dos anos 90, para destilar verrinas. Protegem-se no anonimato, causando distorções, pois há os que usam a máscara para enxovalhar a vizinhança. São centenas de blogs intrusivos dedicados a tal fim – e os mais visitados. Existe, porém, uma maioria de blogs responsáveis. Jornalistas blogaram porque viram sua seara sofrer concorrência nerd, para não falar da crise na profissão. Pena que usem blogs como sites tradicionais. Os bloggers desejam ser vistos como heróis da contracultura deste início de século. O medo deles é de que ocorra uma invasão da civilização off-line. Esforçam-se para se manter na idade adâmica do vale-tudo e separar blogueiro de jornalista. Se o nome é o patrimônio do jornalista, o alias é o do blogueiro. Até agora, a Rede passou incólume às garras da lei. Blogueiros não temem a dura lex... Talvez lhes falte senso de responsabilidade. Mas os conteúdos mudam e blogs se profissionalizam. O resultado é que os bizarros teimam em ser ainda mais absconsos. No pólo oposto, Globo e iG lançaram serviços de blog, seguindo a mídia internacional, que percebeu o perigo da agitação da opinião pública causado pelos blogs e está tratando de domesticá-los e anexá-los. É o caso do jornal inglês The Guardian, cujo blog, mantido pelos jornalistas do veículo, é melhor do que o site. A rede MSNBC também tem o seu, apresentado por seus melhores âncoras. A internet jogou de tal forma os meios de informação na vala comum, que é impossível vigiar conteúdos. Blogs são filhos do descontrole. Os megagrupos querem tragá-los para reorganizar sua essência. Hoje, como no tempo de Chatô, os meios de comunicação são instrumentos de domínio da opinião. A dos articulistas pode não representar a do dono, mas é chancelada por ele. Traz um imprimatur em marca d’água. Qual a diferença entre um blog attachado a uma gigacorporação e os portais que elas sustentam? Nenhuma, salvo a rapidez da operação. Os blogueiros têm furado os portais noticiosos; é urgente manietá-los. Ainda que se avizinhe uma batalha entre a razão off-line e a fantasia internética, blogs continuam sendo ferramentas que proporcionam a sensação da liberdade de expressão, infensos à censura do imprimatur. Muitos blogs fazem a apologia da opinião leviana, mas abrem uma válvula de escape necessária em um universo tecnológico, autômato e irrespirável. Os fatos resultam cada vez mais bizarros e a realidade perde o pé no universo virtual. Ao preço de não abdicar do sacramento do livre pensar, todos nós, profissionais ou não, talvez tenhamos de nos converter em gonzos. E nos aturarmos uns aos outros. Nota do Editor Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado na revista Bravo! de setembro de 2002. Luís Antônio Giron |
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