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Segunda-feira, 7/5/2007
Michel Laub
Julio Daio Borges

Michel Laub é escritor e jornalista. Formou-se em direito, mas abandonou a carreira em favor do jornalismo, estreando como correspondente da revista Carta Capital em Porto Alegre, há pouco mais de dez anos, época em que também dava seus primeiros passos na literatura, através da oficina do escritor Luiz Antonio de Assis Brasil.

Depois da
Carta, Michel participou do desenvolvimento das revistas República e Bravo!, passando pela crítica de cinema, pela de literatura e se tornando finalmente editor da última publicação. Já como escritor, lançou seu primeiro livro de contos, Não depois do que aconteceu, em 1998, e, em seguida, mais três romances: Música anterior (2001), Longe da água (2004) e O segundo tempo (2006) – todos pela Companhia das Letras, sendo que o segundo foi finalista do Prêmio Portugal Telecom de 2005.

Hoje afastado do dia-a-dia do jornalismo cultural, Michel Laub continua, no entanto, colaborador das principais publicações do gênero no Brasil, enquanto trabalha no Instituto Moreira Salles e acaba de lançar seu terceiro romance com apoio da bolsa Vitae (neste momento extinta). Ultimamente, Michel divide um pouco de sua experiência com os alunos do Programa de Criação Literária, da Academia Internacional de Cinema (AIC), de Flávia Rocha, onde ministra uma oficina.

Nesta Entrevista, Michel Laub fala do que o atrai no ofício de escritor ("a sensação de estar arriscando o tempo todo"), do jornalismo e da literatura não serem, originalmente, uma ambição ("eu queria era ser cantor de
rock) e de suas próprias apostas na internet ("é uma mídia excepcional, não seria inteligente desperdiçá-la"). Afirma que as reclamações dos escritores são sempre um pouco exageradas ("[os verdadeiros escritores] vão seguir em frente, mesmo reclamando"), que uma oficina pode ensinar mais a ler do que a escrever e que seu processo de escrita se assemelha a uma "montagem cinematográfica" ("você tem as cenas prontas, depois decide que ordem dar, de acordo com o ritmo, o impacto e o efeito que quer gerar"). Aborda, finalmente, o dilema dos "aspirantes" ("às vezes o cara está aí há vinte anos e continua sendo tratado como promessa"), a polêmica das leis de incentivo ("por pior que seja a média do cinema e do teatro brasileiros, eu ainda prefiro que eles existam") e o que parece ser, no seu caso, uma filosofia de vida ("gosto de olhar para a frente e não ficar pensando nas coisas que fiz, boas ou ruins"). – JDB

1. Eu acompanhei a sua trajetória de longe, desde o início da Bravo!, lembro quando deram uma chamada para o seu Música anterior (2001), depois me deslumbrei com o Longe da água (2004), assisti à sua mediação na Flip 2004 e vi você se tornar editor da principal revista de cultura do Brasil. Mas quando fomos finalmente almoçar, depois de tudo isso, você não parecia muito animado com o panorama – o que era contraditório para mim. A meu ver, você tinha um livro maravilhoso na principal editora do Brasil (que depois seria um dos finalistas do Portugal Telecom 2005), você ocupava uma das posições editoriais mais cobiçadas no mercado de revistas, mas, por razões que eu desconhecia, aquilo tudo não te seduzia. Hoje você saiu da Abril, se afastou do dia-a-dia do jornalismo cultural, continua lançando seus livros pela Companhia das Letras, e tem um trabalho no Instituto Moreira Salles. Dá para comparar a vida antes e depois, em todos esses aspectos? Eu queria – se não for abusar de você... – uma “lista” de prós e contras, em jornalismo e em literatura, de quem esteve ontem no “battlefield” e que hoje ocupa, digamos, uma posição de “observador privilegiado”.

Se me lembro bem da época desse almoço, o possível desânimo tinha mais a ver com coisas imediatas do trabalho, dos rumos que a revista estava tomando na época, do que com o jornalismo ou a literatura de modo geral. Mas é claro que há um pouco de característica minha aí: gosto de olhar para a frente e não ficar pensando nas coisas que fiz, boas ou ruins. Nesse sentido, pelo menos quanto à literatura, há sempre uma incerteza e uma angústia relativas ao futuro. Principalmente no início de um livro, fico sempre pensando se aquilo vai dar pé, se não vou torrar um, dois, dez anos na vida em algo que no fim das contas acabará indo para o lixo. É um dilema que aflige todo escritor, e ao mesmo tempo uma das características mais interessantes do ofício – a sensação de que você está arriscando o tempo todo. Então, você varia muito de ânimo nesses períodos, e talvez você tenha me pegado num dia down.

Quanto a comparar a vida de antes e depois, não faz muito sentido. Lembro da época em que comecei na Bravo! como um período muito feliz, mas isso provavelmente tem muito a ver comigo mesmo, com o fato de eu então ter 24 anos. É isso que motiva aquele tipo de sentimento nostálgico, que acho um saco, dizendo que o Rio já não é o mesmo, que a cultura já não é a mesma, que o jornalismo já não é o mesmo, etc. O que faço no momento é muito legal também – tanto o trabalho no IMS quanto os livros –, e em vários sentidos acho que aproveito as coisas muito melhor agora.

Sobre a lista de prós e contras: o jornalismo é mais dinâmico, divertido, permite um convívio com todo tipo de gente, dá mais dinheiro, tem um retorno mais imediato; a literatura é um espaço de mais liberdade e dá compensações de longo prazo, mais profundas. É algo para dedicar uma vida inteira. E, se você sabe aproveitar, pode ser muito divertido também.

2. É inevitável falar sobre a Bravo!, sobre as transformações por que ela passou desde a fundação na Editora D’Avila até a mudança para a editora Abril etc. O óbvio, também, todos nós já sabemos – então eu queria que você falasse da sua experiência. Desde que eu te conheci não me pareceu que o jornalismo cultural fosse uma das suas maiores ambições; ou, se um dia foi, desde que eu te conheci, não parecia ser mais. Sobrou a velha ambição de escritor (quase sempre a primeira, para a maioria das pessoas)? Olhando de fora, parece que a experiência do “day-by-day” do jornalismo cultural se esgotou para você – ou, aparentemente (de novo), você quis “dar um tempo”. Resumindo a ópera, o que você fez da sua experiência na Bravo!? O jornalismo cultural, como profissão, é questão fechada para você? O que o jornalista fez pelo escritor? E aquele projeto de refundação da “primeira geração” da Bravo! na internet (foi definitivamente engavetado)? (Talvez isto aqui seja apenas uma demonstração do respeito que eu tinha por vocês, lá dentro; e talvez você esteja aqui só para me dizer que eu exagerava nesse mesmo respeito...)

Comecei no jornalismo cultural por acaso. Na Carta Capital, como uma espécie de correspondente em Porto Alegre, eu fazia matérias sobre negócios e política. O Wagner Carelli trabalhava lá e saiu para fazer a República, depois a Bravo!, e então me chamou. Então, nunca foi uma ambição de adolescência ou coisa assim. Mas, depois que comecei a trabalhar com isso, peguei gosto e descobri até uma certa vocação. Não estou mais atuando em redações, mas colaboro com alguns veículos e continuo leitor de revistas, jornais, sites, blogs.

Sobre a ambição de escritor, isso também surgiu mais tarde. Eu queria era ser cantor de rock. Fui me dar conta de que era uma pretensão ridícula lá pelos 17, 18 anos. Aí fiquei um longo tempo dedicado ao direito, achava que seria advogado mesmo, só fui começar a mudar de idéia lá pelo fim da faculdade – quando a literatura surgiu, também meio por acaso.

Sobre como o jornalista influencia o escritor, é algo muito visível no que faço – na concisão do texto, na idéia de ordem e organicidade de um livro, na observação dos personagens, na idéia de dizer logo e dizer bem.

E sobre o projeto da internet, é um negócio que fatalmente farei um dia – um site, um blog, não sei bem o que ainda. É uma mídia excepcional, não seria inteligente desperdiçá-la.

3. É engraçado, porque eu acho que naquela época – digo, na época daquele almoço fundamental – você tinha se enchido de tudo e nem a literatura parecia animar você. Me desculpe se eu trago tudo isso à tona e se abuso da minha intimidade com você. Mas, para mim, foi uma espécie de revelação... Eu queria que você falasse um pouco de como é ser “jovem escritor” – na minha avaliação, promissor – no Brasil. Eu não lembro direito mas acho que você reclamou de serem poucos leitores (consumidores), de a recepção (crítica) ser quase inexistente, de não haver resposta, comercial ou intelectual, do presente, em suma... Pessoalmente, eu procuro desfazer as ilusões dos “aspirantes” que batem à minha porta todas as semanas. Outro dia, o Sérgio Rodrigues veio aqui e reforçou seu conselho (rodriguiano?): “Jovens: se puderem, desistam”. É por aí? Aquele seu pessimismo passou ou ainda continua? Eu quero saber, no fundo, se existe uma alternativa entre a resignação (“não vai dar em nada mesmo, e eu reafirmo”) e o cinismo (“é uma fria, mas eu vou passar a idéia de glamour”). Nós deveríamos pedir nosso dinheiro (e nossa juventude) de volta?

Essas queixas são muito comuns e, no fundo, acho que não são para valer. Nenhum escritor de verdade pára de escrever por causa disso. Todo mundo quer ser lido, fazer sucesso e ganhar dinheiro, mas a motivação básica é anterior a isso, tem mais a ver com expressão pessoal. Acredito que o Sérgio Rodrigues, que é um escritor de verdade, tenha usado essa frase em relação aos que não têm nenhum talento. Nisso ele está coberto de razão. Mas para os que têm algo a dizer – e nem estou falando dos casos clássicos, tipo Kafka ou Faulkner, mas dos escritores médios, competentes, que são a grande maioria dos que constam nas listas críticas, nos catálogos das boas editoras –, as circunstâncias pouco importam. Eles sabem que têm valor e vão seguir em frente, mesmo reclamando. É aquela história do otimismo da ação. O resto é conversa de mesa redonda.

E sobre ser jovem escritor, esse é uma espécie de rótulo eterno, que existe mais na mídia do que na cabeça do autor. Às vezes o cara está aí há vinte anos e continua sendo tratado como promessa. Não é algo ofensivo, mas não é exato. E exatidão é condição do bom jornalismo. Para o autor, de qualquer forma, não faz nenhuma diferença. Ele não escreve pensando que é jovem, que pode errar ou coisa assim. Ele escreve dando o melhor de si, e os outros que julguem depois.

4. Outra questão inevitável: a bolsa da Fundação Vitae, acabou etc., mas que me parece ser uma experiência interessante. (Para quem não sabe, você escreveu seu último romance, O segundo tempo (2006), com esse apoio.) Como é essa questão para você? Eu vejo que os escritores se dividem hoje; e polêmicas sempre surgem, quando se trata de estímulos financeiros de qualquer tipo. Dá para intuir qual é a sua posição, mas eu queria seu ponto de vista (como alguém que usufruiu do benefício e que chegou a um produto final). De certa forma, você esteve nos dois extremos, “ralando”, na profissão de jornalista, escrevendo cada centavo (digamos assim), e, depois, respirando melhor graças à bolsa Vitae. Existe um certo idealismo em dizer que o escritor deve ser pobre, no Brasil, que o nosso modelo é Kafka (que morreu praticamente anônimo) e, não, Thomas Mann (que estourou, antes dos trinta, logo no primeiro romance). Está de acordo? Se pudesse escolher, abdicaria totalmente do jornalismo para escrever, exclusivamente, seus livros? Não acha que a literatura pode ser igualmente fuga e que os “100% escritores” nem sempre são os melhores no nosso País?

Fui bolsista da Vitae, que é uma fundação privada, e trabalhei 8 anos na Bravo!, que se sustentava e sustenta via leis de incentivo. Seria hipócrita, portanto, eu me colocar acima dessas questões. Num mundo ideal, o Estado deveria investir em educação primária, e não em bolsas para escritores. Mas sem algum mecenato a cultura não vive, no Brasil e em nenhum outro país. É uma questão de escolha: por pior que seja a média do cinema e do teatro brasileiros, por exemplo, eu ainda prefiro que eles existam do que sejam praticamente extintos, o que aconteceria se você cortasse todas essas linhas de financiamento.

Sobre o escritor ser pobre ou não, isso nunca foi condição para se ter melhor ou pior literatura. Quando começamos a entrar nessa conversa, é um passo até chegarmos àquela estupidez dos estudos culturais, aquelas teorias que deixam o texto de lado para se deter sobre o autor, de onde ele vem, qual a cor da pele dele ou preferência sexual.

E sobre poder viver só de livros, eu adoraria, claro, mas não deixaria de escrever resenhas, críticas, ensaios. Gosto da idéia de participar do debate de alguma maneira.

5. Mais uma questão inevitável. Você me contou que escreveu Longe da água, que continua sendo o meu preferido, nas horas vagas, depois do trabalho na Bravo!. Eu fiquei intrigado. Depois li outra entrevista sua em que você confessava que o texto jornalístico também te produzia “angústias”, semelhantes às angústias literárias (na escolha das palavras etc.), mas que elas só duravam alguns dias ou algumas horas, enquanto que “a” angústia de um livro pode durar anos a fio. Você falou, acima, alguma coisa sobre não saber onde o livro vai dar – ou mesmo se vai dar em livro. Como é isso? Como é o seu processo, enfim? Não sei, eu tive a impressão de que o Longe da água foi finamente construído, com uma estrutura inicialmente prevista (talvez por conta daquela divisão em capítulos), embora fosse tremendamente orgânico desde os parágrafos. Me fale um pouco sobre isso; eu tenho curiosidade em saber. Como é que, depois de um dia estafante em uma redação jornalística, você chega em casa, liga o computador e se conecta às mais altas esferas da inspiração?

A angústia do texto jornalístico existe, mas é muito menor do que a angústia literária. Com a prática, inclusive, tende a diminuir.

Sobre não saber onde o livro vai dar, é aquilo de que falei antes, a incerteza básica de todo escritor.

Sobre o método: a influência do jornalismo acaba entrando muito aí, principalmente na edição. O Longe da água foi escrito de uma maneira totalmente diferente da que foi publicada, e acho que foi meu olho de editor que viu que algo ali não estava funcionando. A cena do acidente de carro, por exemplo, era a cena inicial do livro. Aí inverti e pus lá no final, assim como várias outras passagens. É como um processo de montagem cinematográfica – você tem as cenas prontas, depois decide que ordem dar a elas de acordo com o ritmo, o impacto, o efeito que quer dar. A história mesmo às vezes surge daí, mais do que de qualquer planejamento. O Longe da água era para ser uma história urbana passada em São Paulo, sobre uma personagem que falava enquanto dormia... Por isso demoro tanto para terminar um livro, acho. O Longe da água, que tem pouco mais de 100 páginas, demorou quase 3 anos para ficar pronto.

E sobre os dias estafantes, os capítulos curtos ajudaram nisso. Até porque às vezes eu ficava uma semana sem trabalhar no texto, então não podia pegar o fio da meada exatamente de onde tinha parado. Por isso já deixava os capítulos meio prontos, com a conclusão já esboçada.

6. Agora eu queria te perguntar da oficina que você fez junto ao Luiz Antonio de Assis Brasil. Sei que faz tempo, que o maior produto dessa oficina talvez seja seu primeiro livro (de contos), mas eu queria que você explorasse esse aspecto da sua, digamos, formação. Eu sei, obviamente, que a grande oficina literária é escrever, mas eu queria saber se você aconselharia uma oficina a um jovem aspirante (às vezes nem tão jovem, mas, possivelmente, inédito). Esta pergunta emenda com outra, que trata da sua faceta de professor, agora, na AIC. Como está sendo a experiência? (A sua oficina é uma que, se eu tivesse tempo, gostaria de fazer...) Naturalmente, você acredita que a literatura se possa ensinar, mas como é, na falta de melhor termo, “sistematizar” o próprio método? Existe essa lenda, no Brasil, de que o escritor é meio autodidata, mas o que eu mais vejo é gente com livros inteiros escritos e que jamais foram mostrados a alguém... A oficina é, até psicanaliticamente, um grande exercício de alteridade?

Para mim, a oficina foi importante não só para melhorar a escrita, mas para melhorar a leitura também. É isso o que se passa um ano fazendo lá, lendo e analisando textos, sejam os seus, sejam os dos outros, tudo direcionado por uma figura excepcional como o Assis Brasil. Ninguém ensina você a ser escritor, isso é algo que tem a ver com sua voz, seu mundo interior, enfim, os atributos que todos conhecem. Mas há maneiras de apressar o aprendizado dos instrumentos para dar vazão a esses atributos. Você não pode ensinar a fazer um bom diálogo, por exemplo, mas pode mostrar todos os tipos de diálogo que já foram experimentados em literatura, fazer exercícios com isso, etc. Naturalmente, você vai fazer com que o aluno “descubra” aquele com o qual tem mais afinidade e que funciona melhor para o tipo de conteúdo que ele quer por ali – conteúdo esse que, aí sim, é inato, tem a ver com o dom. A oficina se concentra nessas questões técnicas, o que já é muito. Mas tem também o lado humano, do convívio. Na época em que fiz, não existiam sites de iniciantes, essas coisas. O Assis Brasil foi o primeiro escritor com quem tive contato. Meus colegas foram as primeiras pessoas que conheci que tinham a mesma pretensão que eu. Ter seus textos lidos por gente assim, e não mais pela sua mãe, tem um impacto muito positivo.

Sobre a experiência na Academia de Cinema, é uma oficina mais curta, mas estou condensando ali um pouco desse método do Assis Brasil. Ele trabalha em cima do conto e a partir de uma certa tradição literária. São aulas com exercícios práticos e discussões.

7. Uma das coisas que sempre me surpreenderam, na sua biografia, é sua formação em direito. Já tivemos muitos advogados-escritores, mas hoje temos menos. A formação em direito não atrai tantos aspirantes a escritor como antes (ou você está tão afastado disso que nem quer palpitar a respeito)? Do direito, passo à Carta Capital, que é, até onde eu sei, a sua primeira experiência com jornalismo: como é que, de Porto Alegre, você vai parar na Carta Editorial? A Flávia Rocha contou, aqui, que te jogaram logo nas reportagens e que você não deixou por menos, desovou uma bela peça de jornalismo literário. Hoje, anos depois, teria vontade de continuar com isso (JL)? O escritor já estava ali? Pergunta recorrente: o jornalismo, com foco no texto, ainda vai se reconciliar com o papel ou perdemos essa chance, para sempre, no limbo dos anos 70? Crivei você de perguntas apenas para que nos fale, mais um pouco, da sua formação – tanto universitária/ acadêmica quanto “on the job”... Se pudesse, mudaria alguma coisa?

Não sei dizer se o direito hoje atrai menos ou mais escritores que antigamente. O que posso afirmar é que a profissão é muito absorvente e acaba, inclusive, mexendo com a maneira como você escreve. Comparo isso um pouco com a atividade acadêmica. É difícil você se livrar do jargão e do vício cientificista, ambos inimigos mortais da literatura.

Sobre a Carta Capital, comecei lá por intermédio do Bob Fernandes, que leu um diário que escrevi sobre o ano que passei fora do Brasil. A Flávia eu fui conhecer pessoalmente só mais tarde, já na Bravo!, mas na Carta acho que éramos os caçulas, ela ainda mais nova que eu.

Sobre jornalismo literário, nessa época eu já tinha, sim, planos de escrever algo. Fiz matérias para a Carta em 1995, 1996, quando já estava na oficina do Assis Brasil.

Sobre o jornalismo em papel, acho que não vai morrer, mas, se não se reinventar, tende a perder cada vez mais importância em relação à internet.

E sobre a minha formação, eu não mudaria quase nada. Gostaria de não ter perdido tanto tempo com a advocacia, mas essa experiência também teve seu lado positivo. Meu primeiro romance trata desse universo, e pelo menos nesse sentido rendeu...

8. Último item, dos caminhos da sua escrita. Você me contou que, na Bravo!, você começou com crítica literária, depois passou à crítica cinematográfica. Minha impressão é de que há, hoje, poucos escritores fazendo crítica de cinema; ou então poucos críticos de cinema fazendo literatura. Logo, seu caso me interessa. Por que você acha que aconteceu isso? Acho a crítica de cinema, principalmente em papel, tão presa aos lançamentos de fim de semana, como se fossem impossíveis os antigos “mergulhos”, como se a arte se rendesse ao entretenimento sempre. Como era na Bravo!? O fato de você ter, teoricamente, um mês – e menos filmes para escrever sobre – facilitava ou dificultava o trabalho? Conheço uma pessoa que depois de ler aquele seu texto sobre Dogville foi ler seus livros... Voltando: por quê há tão poucos escritores nesse métier? A sedução de escrever crítica depois roteiro é, invariavelmente, mais forte? Ou toda essa história de crítica de cinema, para você, aconteceu por mero acaso?

Gosto muito de fazer crítica de cinema. Não faço com mais freqüência porque os veículos tendem a me passar freelances de literatura. É natural, não me queixo, mas vejo aí um pouco a noção de que você tem de ser “especialista” para escrever sobre um determinado assunto. O sujeito mata 30 pessoas na Virgínia, e os jornais precisam de um psicólogo para dizer que o cara é um psicopata. Enfim, minha crença como editor é o contrário disso. Com as exceções de praxe, sempre preferi gente que soubesse se articular em vários temas do que os hiperespecialistas, quase sempre presos a conceitos prontos e ao jargão. Isso chega à questão dos lançamentos: o problema não é o assunto, se o filme é o da semana ou não, se é arte ou entretenimento, mas se o texto é bom, se há uma idéia ali, se o articulista pensa por conta própria ou está repetindo o que os outros disseram. É uma lição da New Yorker, por exemplo, que o jornalismo daqui, sempre tão farto em elogios à revista, às vezes não percebe. A New Yorker dá uma matéria de 8 páginas falando sobre as montanhas-russas dos Estados Unidos, coisas assim, e você lê até o final porque é muito bem escrito. É o texto que comunica, não o tema.

Sobre os prazos, claro que isso influi, mas não é tão decisivo assim. Já escrevi textos grandes em um dia, assim como demorei uma semana para fazer uma página.

E sobre o roteiro, não estou certo de que teria vocação para a coisa. O que sei é que é uma linguagem totalmente diversa da literatura.

9. Não segue a ordem do raciocínio (tem mais a ver com a última pergunta), mas eu queria te perguntar isso desde o começo: acha que estamos vivendo um boom de escritores que vêm do Sul? Tem você, tem o Carpinejar, o Galera, os “Autores do Mal” (quase todos), a Cíntia, outros jornalistas-escritores, o Rascunho (cobrindo cada vez mais o Brasil), o Polzonoff (que foi até editor), até a migração de gente como o José Castello para Curitiba... Faz sentido ou é tudo uma tremenda coincidência? A gente – aqui no Sudeste – fala “Sul”, como se Porto Alegre, Curitiba e Florianópolis (lá tinha o Jonas Lopes!) fossem todas a mesma coisa... Evidentemente, não são. Já me disseram que, no Sul, se lê mais, que a colonização européia influenciou, que floresceu um mercado interno, mas, mesmo assim, penso que você deve ter uma teoria própria. Como é, aliás, sua relação com esses seus conterrâneos/ contemporâneos – vocês poderiam prever que iriam quase dominar, nos anos 2000, as letras nacionais (ah, no teatro, tem o Bortolotto!)? Ou meu exagero retórico não se justifica?

Talvez essa história dos autores do sul tenha alguma sociologia. Você tem muitas coisas acontecendo lá – a oficina do Assis Brasil, a oficina do Charles Kiefer, os prêmios municipais e estaduais para publicações de novos autores, uma certa independência do mercado editorial local, as feiras do livro em Porto Alegre e no interior, etc. No Paraná, há vários projetos também, como o do próprio Rascunho. Isso não cria escritores, mas aglutina, incentiva o trabalho deles. Dos que conheço dessa leva de nomes, e são dezenas deles, tenho boa relação com todos.

10. Aqui nas Entrevistas, a última pergunta é sempre endereçada aos tais “aspirantes”. Então, eu queria misturar com outra questão, que você abordou na nossa conversa, naquele almoço mítico. Você falava, na época, que gostaria de puxar alguns blogueiros para a revista – depois até puxaram lá alguns –, que você achava os textos deles “sem gordura”, mas que, ao mesmo tempo, você os achava “difíceis”, por causa da idade etc. Como eu disse, a Bravo! andou fazendo alguns experimentos nesse sentido, mas por que você acha que o resto da imprensa-impressa nunca tentou? Hoje, particularmente, eu acho que passou o “momento” de reverter, assim, a crise – mas você acha, por exemplo, que o foco dos “aspirantes” tem de ser, ainda, a mídia estabelecida? Em outras palavras, se você começasse agora, o que acha que gostaria de tentar? Algum recado específico aos aspirantes a escritor? Esperança, desencanto? Se você tivesse superpoderes para ajudar a categoria, o que faria?

Isso acabou não acontecendo porque saí da revista, mas de alguma forma veículos do porte da Bravo!, e ela própria, têm absorvido esses nomes – Alexandre Soares Silva, Ruy Goiaba, Vanessa Bárbara, Antonio Prata, Clarah Averbuck, Fabio Danesi, os próprios Daniel Galera e Pellizzari, etc. O que acho incrível é que eles não tenham mais espaço em grandes jornais e revistas, assim como gente mais antiga e excelente, tipo Hugo Estenssoro e Sérgio Augusto de Andrade. Enfim, são as contradições do jornalismo impresso, no momento em que ele mais precisa de um diferencial de qualidade.

Quando falei nas tais dificuldades, tinha menos a ver com idade do que com o formato do texto da Bravo!, que tendia a ser mais orgânico, menos fragmentado, e isso pode ser um problema para quem está acostumado a escrever em pílulas. Mas li alguns dos ensaios do Alexandre, por exemplo, e achei excelentes. O formato é o do velho jornalismo impresso, do velho texto de idéias, mas ali ele consegue manter a originalidade e o humor do blog.

Sobre os aspirantes, acho que as coisas hoje passam, de fato, pela internet. Mas muito pouca gente vive disso, então talvez o caminho das redações ainda seja uma necessidade. Se eu tivesse superpoderes, então, eu criaria umas vaguinhas extras nas redações, que são ótimas escolas. Isso ajudaria mais do que qualquer outra coisa. A edição parece algo ultrapassado, mas ainda acredito que seja um processo fundamental para quem está começando.

Para ir além





Julio Daio Borges
São Paulo, 7/5/2007

 

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