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Segunda-feira, 1/10/2007 Paulo Polzonoff Jr. Julio Daio Borges Paulo Polzonoff Jr. se consagrou, nos anos 2000, como um dos mais importantes críticos literários da nova geração. Como jornalista, começou a despontar no caderno de cultura do Jornal do Estado, de Curitiba (sua cidade natal), para aparecer, nacionalmente, através do suplemento literário Rascunho, que ajudou a fundar, ao lado do editor Rogério Pereira (em 2000). Na internet, Polzonoff apareceu como colunista deste Digestivo (logo no seu início, em 2001) e conquistou fama com o blog O Polzonoff, a partir de 2002. De lá pra cá, Paulo Polzonoff Jr. morou no Rio, onde conheceu a esposa, Paula Foschia, com quem fundou a editora Candide (atualmente extinta), a fim de lançar autores da internet. Por ela, editou também seu primeiro livro, O Cabotino. No Rio, ainda, foi editor da revista do Fantástico e crítico literário do Jornal do Brasil. Sob influência da atmosfera carioca, integrou a coleção Perfis do Rio, abordando a vida e a obra do poeta Manuel Bandeira (seu segundo livro). E da vivência recente na "capital do mundo", desovou um terceiro volume, que lançou neste ano: A Face Oculta de Nova York, pela editora Globo. Nesta Entrevista, Paulo Polzonoff Jr. fala dos primórdios do hoje respeitado Rascunho: "Para ser sincero, nunca achei que o projeto fosse para frente. Sabe como é, literatura no Brasil..." Relembra sua estréia, e seu auge em termos de popularidade na blogosfera; e, analisando a atitude dos blogueiros atuais, comenta: "Hoje, eu tenho a impressão, os blogs são empresinhas". Da fase da editora Candide, guarda algumas desilusões: "Acreditávamos, tolamente, que havia vários talentos literários escondidos pela blogosfera. Não havia". Trata, ainda, de sua especialidade: "Aqui no Brasil a gente tem essa idéia de que a literatura é algo que depende exclusivamente de talento". E não deixa de passar pelo jornalismo (e seus desafios perante as novas mídias): "Tenho a impressão de que os jornais escolheram o caminho errado. Em vez de se tornarem veículos de aprofundamento da notícia, se transformaram em repetidores de notícia velha". Arrisca uma profecia para o Brasil no século XXI: "Há uma diferença — e as pessoas não percebem — em ser uma potência econômica e ser uma potência cultural". E reafirma seus planos para o futuro: "Eu realmente quero investir na não-ficção". — JDB 1. Eu conheci você na época do Jornal do Estado. Foi tudo culpa do Daniel Piza, quando mudou da Gazeta para o Estadão (2000) e liberou seu mailing para nós. Passei a te enviar as minhas newsletters e você passou a me enviar as suas... Lembro daquele endereço na "Rua da Paz" (era engraçado alguém ainda colocar o endereço postal quando já havia o e-mail...). Seu début foi mesmo no Jornal do Estado? Como aconteceu? A impressão que a gente tinha — daqui de São Paulo — era que você fazia de tudo naquele jornal... Fechar uma editoria de cultura diariamente foi — como se diz — "uma grande escola"? Quanto tempo durou essa fase e quanto você acha que deve a ela (de tudo o que você aprendeu)? Eu entrei no Jornal do Estado meio por acaso. Eu mandava umas críticas de cinema para lá e o editor do "Caderno 2", o Alessandro Martins, publicava. Eu ficava brabo porque eu escrevia um texto todo costuradinho e, na hora de diagramar, ele quebrava o texto. As críticas agradaram (eu tinha feito crítica de cinema para a extinta Folha do Paraná) e eu acabei me tornando crítico de cinema do Jornal do Estado. Tempos depois me chamaram para ser repórter. Eu fui. O Jornal do Estado é um jornal pequeno. Na editoria de cultura, eu e o Alessandro Martins fazíamos tudo. Quando um de nós faltava, o outro tinha que dar conta. No final das contas, era cansativo, mas divertido. Sobretudo porque a gente tinha total liberdade. Tinha dias, claro, em que não havia assunto. Mas também havia momentos em que, se me deixasse, eu escrevia as quatro páginas todas. Sabe como é, eu era jovem e cheio de entusiasmo. Que, infelizmente, acabou tolhido. Coisas. Mas eu digo que foi lá no Jornal do Estado que eu aprendi o valor e o peso da tal liberdade. Foi o que de melhor o exercício do jornalismo diário me ensinou. Eu era absolutamente livre para escrever o que me desse na telha — e muitas vezes me arrependi justamente de ter feito uso desta liberdade total. Infelizmente, esta foi uma lição que eu aprendi pela tangente. Até porque, em um jornal em processo de encolhimento, na época, não havia muitos jornalistas mais experientes para me ensinar Grandes Coisas. Hoje em dia eu olho para aqueles tempos — e falo para o Alessandro sobre isso — como tempos românticos, isto é, havia orgias dionisíacas, mas também havia a tuberculose... 2. E você viu nascer o Rascunho... Muita gente ainda lembra das suas polêmicas no Jornal do Estado e, mais especificamente, das literárias no início do Rascunho. Houve quem me dissesse que existia um Rascunho antes (com o Polzonoff) e outro depois (sem o Polzonoff)... Como foi essa história? Eu sei que você e o Rogério Pereira eram colegas de trabalho no Jornal e que o Rascunho nasceu lá dentro — mas eu queria saber como é dar a um suplemento literário local abrangência nacional. Você tem uma explicação para o Rascunho ter ficado conhecido no Brasil inteiro? Nesse sentido, as polêmicas ajudaram ou atrapalharam? E, por fim, ainda há espaço para novas publicações literárias (ou elas sofrem com a crise do suporte papel)? Eu não vi nascer o Rascunho, eu fui um dos que o pariu, numa mesa de boteco, numa segunda-feira à noite — nunca me esqueço. Colaborei desde o primeiro número, ininterruptamente, por uns três ou quatro anos. Depois, acabou. Percebi que o projeto do jornal era bem diferente do original. Mas não convém, por agora, entrar numa análise do tipo Urupês a respeito da gênese do jornal — ainda que ela seja possível. Vale dizer que eu vi o que estava sendo gestado e o que acabou crescendo. Dizendo que a gente coloca os filhos no mundo mas não tem controle sobre eles... O convite para colaborar no Rascunho partiu do Rogério. Eu simplesmente aceitei. Para ser sincero, nunca achei que o projeto fosse para frente. Sabe como é, literatura no Brasil... Mas acabou dando certo. Os primeiros números foram de uma timidez assustadora. Ao que parece, as coisas mudaram com nosso artigo, meu e do Rogério, sobre os 50 anos da poesia de Décio Pignatari. Ali o jornal adquiriu uma característica que acabou perdendo nos últimos tempos: o combate. Daí você me pergunta: "Vocês combatiam o quê?" Esta era a grande qualidade e ao mesmo tempo defeito da nossa luta: era sem nenhuma causa. A gente batia em quem achava que tinha de bater. Era uma quase bem moleque, irresponsável, coisa de jornalista de província. Não falo isso pejorativamente. Era uma coisa saudável, ingênua. Em dado momento, porém, a gente teve de se confrontar com a realidade: o Rascunho era lido. Eu me lembro, até hoje, do frio na espinha que foi perceber que eu era lido. As polêmicas — elas me perseguem — nasceram da forma mais espontânea do mundo. Não havia, pelo menos no início, nenhum interesse naquilo. A gente escrevia o que vinha à cabeça. E o jornal sempre teve esta idéia, também perdida, infelizmente, de ser um jornal feito por leitores, e não por acadêmicos ou jornalistas. Eu acho que as polêmicas, muitas delas assinadas por mim, renderam boas risadas e conversas nas mesas de bar. Mas desconfio de qualquer importância que não a que elas tiveram para mim, autor. Se há espaço, em papel, para projetos do gênero. Acho que é meio óbvio que não, né? Pelo menos não sem dinheiro estatal — dinheiro sujo. O Rascunho mesmo é lido por meia-dúzia de pessoas. E é feito num esquema amador. A rigor, a gente pode dizer que sequer existe uma publicação literária no Brasil, já que todas as existentes ou são amadoras ou se fingem de profissionais às custas do dinheiro do governo. 3. Você tem um trajetória interessante: embora seja jornalista originalmente de redação, muitas pessoas te conhecem como blogueiro e/ou autor de internet. Eu acho, por exemplo, que você é um dos poucos que pode, um dia, contar a história da blogosfera brasileira — porque esteve lá, durante o primeiro boom (no início dos anos 2000), se relacionando com os principais nomes e sendo também uma referência para eles... E eu acho até que, durante um bom tempo, a maior parte da sua produção estava na internet. Você finalizou dois livros recentemente (vamos falar já neles...), mas, pouco antes disso, você era um nome muito forte da internet, não era? Pensa que ainda perseguimos o reconhecimento em papel ou, na internet, já conseguimos construir novas referências? Sabe, Julio, o interessante daquela primeira geração de blogueiros era o total desinteresse com que escrevíamos. Eu me lembro de quando criei o blog, por influência do Alessandro Martins. No princípio, era apenas um modo de armazenar o que eu escrevia para o jornal. Nem sei como é que o blog ganhou tanta audiência (chegou à casa das dez mil visitas-únicas diárias). Mas quero me deter um pouco mais nisso: o nosso desinteresse. A gente escrevia para se divertir ou para divertir os outros. Depois, claro, a gente percebeu que, pelo blog, conhecia pessoas interessantes, fazia amigos, inimigos, etc. Mas nada disso nasceu de um plano. Hoje, eu tenho impressão, os blogs são empresinhas. Tem zilhões de anúncios e, por trás deles, pessoas com projetos e planos. Eu nunca pensei "Vou escrever sobre tal coisa para chamar mais leitores". Eu simplesmente escrevia. Havia algo de puro naquele exercício. Algo que se perdeu. Daí a minha já folclórica crise blogueira. Devo ter matado o blog umas dez vezes nos últimos anos. É que estou sempre em busca daquela chama inicial — com o perdão da má imagem. Passados cinco, seis anos do boom, acho que já deu para criarmos referências, claro. Mas são poucas, pouquíssimas. Acho que a grande diferença de hoje para cinco anos atrás é que hoje a gente precisa separar o trigo do joio — e a montanha de joio é muito maior. Naquela época (parece que eu estou falando de algo tão antigo quanto a invenção do papel) também tínhamos de separar o trigo, mas havia muito menos joio. Mas a vida virtual, você sabe, é tão-somente um reflexo da vida real. Não me deprimo ao constatar que as pessoas preferem ler o Jacaré Banguela ao blog do Marconi Leal, por exemplo. A vulgaridade sempre está em vantagem numérica. 4. Então você conheceu a Paula, e um dos "filhos" do casamento de vocês — se é que podemos dizer assim — foi a editora Candide. Junto com o Alfred Bylik, da Barracuda, vocês, na Candide, foram os primeiros a lançar blogueiros — ou melhor, autores de internet — em papel... Como foi essa experiência? Eu, naturalmente, sei das dificuldades de se montar uma empresa e, no caso específico das editoras de livros, sei dos entraves na distribuição etc. — mas eu queria saber se você, hoje, consegue separar os problemas práticos (que vocês tiveram naquela época) da idéia, inovadora, de levar o pessoal da internet para o papel. É um projeto em que se deva acreditar ainda ou uma editora criada para lançar "autores novos" é uma fórmula impossível no Brasil? A Candide foi uma experiência legal, mas partia de uma série de premissas estúpidas. A gente achava, por exemplo, que, por gostar de ler livros, também poderíamos produzi-los. E — por Deus! — não há nada mais irritante do que o processo de produção de um livro. Quando terminarmos de publicar Morte e Vida Celestina, do Alexandre Soares Silva, estávamos esgotados. Outra premissa errada: acreditávamos, tolamente, que havia vários talentos literários escondidos pela blogosfera. Não havia. A gente recebeu umas duas centenas de originais e não havia um só que prestasse. Não que as pessoas não soubessem escrever. Elas sabiam escrever blogs. Literatura é algo totalmente diferente. Acreditávamos, ainda, que havia algum tipo de romantismo no mercado editorial. Não há. É um mercado fechado, inclusive para novas idéias. Lembro que a gente fez, como material promocional, um folheto destes que o McDonald's põe em todas as bandejas. Acho que há um nome técnico para isso. Você precisa ver a resistência que as livrarias tinham para colocar aquilo nas bandejas dos cafés. Aliás, acho que só a Argumento, no Rio, usou de fato nosso material. De uma livraria chegamos a escutar que não poderiam usar "porque não era justo com as outras editoras". Eis o nível do negócio do livro no Brasil. Não levamos prejuízo, mas também não tivemos lucro. A idéia morreu. Pode dar certo na mão de um empreendedor. Nas mãos de um crítico literário e de dois advogados não deu. 5. Queria falar um pouco, também, do seu primeiro livro, O Cabotino (Candide, 2004) — ou, ao menos, das idéias contidas nele. Eu, particularmente, considero que — daquela safra — foi um dos melhores volumes lançados. Vi como uma tentativa de discutir a recorrente problemática dos autores novos (com o perdão da má frase...). Todo mundo queria publicar seu romance, sua novela ou seus contos — e você vinha, justamente, para desancar as veleidades desse pessoal. Olhando em retrospecto, parece que aquela foi uma primeira onda de vaidade "blogosférica", dos autores que, precisamente, vinham da internet para o papel... Vivemos tudo aquilo, mas continuamos vendo, ano a ano, novas levas de escritores "jovens" cometendo os mesmos erros — é por falta de alertas como o seu (em O Cabotino) ou os novatos são tão teimosos que devemos deixá-los alegremente quebrar a cara? Acho que o problema é bem simples: falta de estudo. Aqui no Brasil a gente tem esta idéia de que a literatura é algo que depende exclusivamente do talento. É uma coisa assim meio inata, um dom. Ter morado fora do País foi importante para mim porque entendi, finalmente, a grande diferença entre a literatura que se faz aqui e lá: estudo. E não estou falando, Deus me livre, destes cursos caça-níqueis voltados para escritores; estou falando de formação clássica mesmo. O Cabotino não aconteceu. Era uma piada. Muita gente levou a sério. Me acusaram de ser um alpinista cultural. A idéia era fazer com que as pessoas percebessem que há escritores e há leitores. E não há nada de mal em ser apenas um leitor. Por que é que no Brasil todo bom leitor tem este sonho de escrever seu livro? Eu não entendo. Mas, bem, no que diz respeito aos blogueiros, acho que eles se deslumbraram. Normal. Alguns reconheceram o deslumbre. Perceberam que há uma diferença enorme entre ser lido num blog e ser lido num livro. Outros foram soterrados pela realidade do mercado editorial. Mas há sempre os que insistem. Há uma linha tênue que separa persistência de teimosia. Desnecessário dizer que os teimosos são em maior número (e, não raro, têm mais energia) que os persistentes. Mas, insisto, um tanto quanto pateticamente: na raiz de tudo isto esta o estudo. É o que faz a literatura americana ter um Jonathan Safran Foer. E nós... 6. Falando agora um pouco das cidades em que você morou, eu tenho a impressão — please correct me if I'm wrong — que o Rio de Janeiro teve uma influência muito positiva sobre você. Me parece que você trocou a postura aguerrida, do crítico de Curitiba, pelo gregarismo carioca, pela generosidade do editor, por um certo gosto pela conversação, desenvolvendo até uma sensibilidade de repórter. Apesar do desejo de ter "um palco maior" (nas palavras do Paulo Francis), no Rio você encontrou a Paula, com quem fundou a Candide e com quem divide a vida; já, pelas mãos do Geneton Moraes, foi parar na revista do Fantástico, depois na editora Globo; eu poderia citar ainda o Sérgio Rodrigues, que ajudou a pavimentar a estrada até o seu livro sobre Manuel Bandeira... (Entre outras coisas que eu nem sei. LEM?) O Rio de Janeiro mudou a sua vida? Sente saudades de lá? Sim, o Rio de Janeiro mudou minha vida. Só não sei se para melhor. Curitiba me deu a primeira e mais forte noção de mundo. É um lugar hostil. Sobretudo para quem quer ter uma opinião. É uma cidade de gostos homogêneos. Estranha. Saí de lá meio brigado com a cidade, ou melhor, com a idéia de cidade. Neste contexto, ter ido para o Rio foi um deslumbre. O Rio fez com que eu descobrisse as pessoas. Em Curitiba eu acho que era um pouco autista. Daí surgiram algumas oportunidades profissionais, mas não sei se uma coisa tem relação com outra. O curioso é que minha ida para Nova York foi, em certo sentido, uma volta a este autismo. Eu fiquei bastante ensimesmado lá. Não é ruim. Nova York me deu novamente o sentido da intimidade, da reclusão — que é algo necessário para quem escreve. Voltando à sua pergunta, eu não sinto saudades do Rio. Ele teve sua importância. Passou. O Rio é uma espécie de Brasil ao cubo, entende? O que o Brasil tem de melhor e de pior está condensado lá. E, bem, ultimamente eu tenho tentado focar apenas no que eu tenho de melhor e de pior. Meu sonho é transformar o Brasil, seja o Rio, São Paulo ou Curitiba, apenas num cenário. Como, de maneira intensa, foi Nova York. 7. Falei da revista do Fantástico mas, ainda que seja um projeto em stand-by, o fato é que você nunca mais voltou ao mesmo ritmo do Jornal do Estado. (Ou voltou e eu não soube?) Pensa, como eu, que as redações — como você conheceu — vão mesmo acabar? Ou estamos, em termos de jornalismo, num período de transição — que apenas está recriando as velhas redações num outro formato (Pedro Doria)? Sei que, diante de qualquer coisa que esteja agora nas bancas, você prefere correr para a sua coleção de DVDs da New Yorker... Mas, em relação à imprensa convencional, nutre alguma esperança? (Se, sim, qual?) Existe saída, por exemplo, para as chamadas "revistas de reportagens" (como a Piauí)? Você arriscaria algum palpite? E com muito dinheiro, o que você faria? Eu tenho a impressão de que as redações como eu conheci já acabaram. Sério. Ninguém entra mais na faculdade de jornalismo com o espírito que minha geração entrou. E a internet tem uma influência nisso, claro. Meu primeiro impulso é bancar o saudosista e dizer que isso tudo é uma pena. Mas, quer saber? Não é. É a maldita roda do mundo. Não há como lutar contra ela. Só acho que a gente precisa perceber que esta relação conflituosa entre mídia tradicional e internet é uma coisa bem brasileira. Tenho a impressão de que os jornais escolheram o caminho errado. Em vez de se tornarem veículos de aprofundamento da notícia, se transformaram em repetidores de notícia velha, caquética. É ridículo, por exemplo, ver um jornal estampando o placar de um jogo de futebol que aconteceu na tarde anterior. Mas este é um papo longo... Sobre a imprensa convencional, eu não tenho muita esperança, não. Sem dramas. Sou um velho ultrapassado talvez. Sobretudo no que diz respeito ao leitor. Ora, até para a internet eu sou um velho ultrapassado. Não dou o que o leitor quer; dou o que eu quero. Se o leitor quiser, ótimo. Se não... Com relação à imprensa tradicional, acho que deveriam fazer o mesmo. Mas eles são pautados por pesquisas de mercado. Não há como mudar isso. As tentativas de se fazer revistas de reportagens são legais. A Piauí deve ser legal — todo mundo diz que é, eu nunca li. Mas estas tentativas esbarram na falta de educação dos leitores, mesmo da chamada elite cultural, que é muito burra. Aqui a gente não tem espaço para revistas profundas simplesmente porque as pessoas não lêem, não estão interessadas. Elas querem mesmo é fotos grandes de celebridades e textos minúsculos para ler enquanto cortam o cabelo. Novamente, sem dramas. É assim. Quem quiser fazer diferente (e eu quero) tem que se preparar para escalar este Everest onde as tempestades de frustrações matam — e matam muito. 8. Voltando às cidades, lembrou muito do Paulo Francis em Nova York? Lendo seu livro — em que você conversa até com o ectoplasma do Francis —, eu fiquei com a sensação de que NYC era justo o contrário do Rio. Você saiu do calor humano carioca, das relações tão fortes que travou lá, para o deserto dos nova-iorquinos sem amigos, que só trabalham e que procuram amizade nos classificados on-line... Como foi esse contraste? Acha que pode ter sido similar, nos anos 70, para o Francis? Às vezes eu penso que o começo de tudo foi o nosso desejo irrefreável de ter cultura como ele. Polzonoff: — você que esteve no epicentro da "meca cultural" e que se aconchegou no seio de uma cidade que te reinventou (o Rio) —, o que considera mais importante na formação de um jornalista, autor, crítico? Lembrei muito de Paulo Francis. Acho que ter morado lá fora fez com que eu o compreendesse melhor, sem a jequice própria de quem nasceu em Curitiba. Acho que o contrate maior nem foi o do calor humano carioca versus isolamento nova-iorquino. O contraste foi de algo mais básico: civilização versus Brasil. Acho que para o Francis este contraste foi ainda maior. Afinal de contas, na década de 70 o Brasil era ainda pior do que é hoje. Sobre estar no centro da meca cultural, bem, hoje em dia eu acho que o acesso à cultura é muito mais fácil — e, para usar do senso comum, democrático. Ok, aqui em São Paulo a gente não tem uma temporada de ópera, mas a gente pode comprar DVDs com as melhores montagens do Metropolitan. Não é a mesma coisa, mas preenche uma lacuna. Em se tratando de literatura, tanto melhor. Hoje em dia temos acesso fácil à Amazon. Acho que para um jornalista, escritor, crítico ou simplesmente um consumidor ávido de cultura é plenamente dispensável uma vida na meca. A meca é a gente que faz. Tudo está muito próximo. O que diferencia as pessoas, hoje em dia, não é o acesso à cultura, e sim as escolhas. Aliás, isso é interessante, porque antigamente as pessoas acreditavam que a alta cultura era coisa de elite simplesmente porque a classe média não tinha acesso a ela. No século XXI estamos percebendo que esta idéia era furada. Mesmo com acesso à alta cultura a classe média escolhe a cultura pop. Isto nos dá uma nova dimensão das coisas, não? 9. Agora que nos reencontramos em São Paulo, você falou algumas vezes em escrever livros, mas sempre de não-ficção... Acredita, como eu, que o "sonho de fazer ficção" é muitas vezes o calcanhar-de-aquiles dos escritores no Brasil? Porque a gente vê, por exemplo, jornalistas brilhantes produzindo uma literatura sofrível, pela simples ilusão de achar que são, também, romancistas, contistas... A meu ver, quando montou a editora, você foi bastante forte em resistir ao canto-da-sereia da ficção. Depois, no livro sobre Nova York, optou por ser mais observador, e por se colocar inclusive em primeira pessoa. Para terminar, no seu perfil sobre Manuel Bandeira — infelizmente ainda inédito, pela Relume Dumará —, você é bastante factual, jornalístico (no melhor sentido do termo)... Será que o Brasil, algum dia, vai ter uma tradição de autores de não-ficção (tão inspiradora quanto a da literatura brasileira de ficção)? Para começo de conversa, eu não entendo por que, no Brasil, a gente não tem uma tradição de grandes leitores. Repare: todo leitor quer ser um escritor. E geralmente é um escritor medíocre. Daí a profusão de autores confusos, para usar um eufemismo, que nós temos hoje em dia. Sem falar, é claro, no nosso ensino pífio. As universidades destroem a literatura. E, em geral, as pessoas, como autodidatas, são muito preguiçosas. O resultado é o que temos aí na estante de literatura brasileira, da qual, aliás, a maioria dos leitores foge. Quanto a mim, eu não resisti exatamente ao canto da sereia de ficção. Apenas tenho autocrítica (ou medo) suficiente para não me expor neste momento. Aliás, em nenhum momento, se eu achar que não fiz algo bom o suficiente. Eis outro probleminha nosso: a autocondescendência. Eu realmente quero investir na não-ficção. Tenho dois projetos para os próximos dois anos. Mas não é fácil. Tenho enfrentado alguma dificuldade com as fontes, que não entendem este tipo de trabalho. Vou insistir, enquanto tiver fôlego. É algo divertido e recompensador, mesmo quando o livro não pode ser lido, como no caso do perfil do Manuel Bandeira. Eu só chamaria a atenção para o fato de o Brasil não ter bons ensaístas. Aqui o ensaio é um gênero reservado à academia. Fiquei meio decepcionado ao ver todo mundo falando do livro de Nova York como uma reunião de crônicas. Crônica, para mim, é aquela coisa de passarinho que o Rubem Braga fazia. Já o ensaio faz parte de uma tradição jornalísticas muito mais interessante. Mas não quero inflar um problema que, no mais, é teórico. Quem sabe um dia não teremos leitores capazes de distinguir um conto de uma crônica e uma crônica de um ensaio, não é mesmo? Sonhos... 10. Cidades, pela última vez: o que espera de São Paulo? Sei, claro, que você já tinha vindo aqui, mas nunca tinha morado — era isso mesmo que você imaginava? Quais foram as primeiras impressões de morador? E quais são, aliás, as impressões justamente depois de chegar de Nova York? Nos seus escritos recentes, eu sinto uma certa humildade, como a de um homem que viu seu planeta de longe e concluiu que, para o resto do universo, somos apenas poeira de estrelas... Você, de alguma maneira, escolheu voltar para o Brasil. Acredita que podemos construir (ou ajudar a construir) uma cultura brasileira autêntica, que seja relevante para o resto do mundo? Ou estamos condenados a ser meros satélites? Eu gosto de São Paulo. O trânsito me incomoda muito, mas é possível conviver com isso. Como já escrevi, a "reentrada" no Brasil tem sido difícil. É duro perceber que este país jamais será um expoente, simplesmente porque há todo um sistema de valores impedindo isso. Minha geração cresceu ouvindo que o Brasil seria uma potência do século XXI. E eu até acredito que poderá vir a ser uma potência econômica. Mas há uma grande diferença — que as pessoas não percebem — em ser uma potência econômica e ser uma potência cultural. Novamente entro aqui no terreno dos valores, que simplesmente nos faltam. Hoje eu estou num processo de des-embrasilamento. O Brasil é um cenário bonito. Tem o mar, as montanhas, o pôr-do-sol de inverno em Curitiba, etc. É, para usar um clichê, um colírio para os olhos. Mas há os olhos para fora e os olhos para dentro, e estes últimos são mais importantes, porque mais intensos, mais verdadeiros e, em última análise, mais reais. E a natureza do Brasil não ameniza este outro cenário: eu. E você. E os leitores. Todo mundo. Que as pessoas prefiram se definir pelo cenário externo é sintomático. Eu acho que também caí esta armadilha. Acho que a "vida cigana" me fez bem neste sentido. Aprendi que sou alguém independente do entorno. O país não me define. Então sigamos em frente, cada qual pátria de si. É algo libertador. Para ir além Paulo Polzonoff Jr. Julio Daio Borges |
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