busca | avançada
52329 visitas/dia
1,9 milhão/mês
Segunda-feira, 7/1/2008
Pollyana Ferrari
Julio Daio Borges

Pollyana Ferrari é autora de Jornalismo Digital, livro referência no assunto, e acaba de organizar a coletânea Hipertexto Hipermídia: as Novas Ferramentas da Comunicação Digital, ambos pela editora Contexto. Tem mais de dez anos de internet e mais de vinte anos de experiência no mercado de tecnologia. Também dá aulas de Jornalismo Online e Hipertexto, na graduação da PUC-SP; e Programação Visual e Infografia, na pós. É, ainda, doutora em Ciências da Comunicação pela ECA/USP. E já foi diretora da Mandic, do iG e do braço on-line da editora Globo.

Nesta Entrevista, Pollyana conta um pouco das histórias que viveu em mais de uma década de internet no Brasil: "Fui a terceira mulher na BBS Mandic; e coloquei no papel a primeira coluna sobre BBSs". E, até por causa desse
background, aposta desde sempre na fusão da mídia estabelecida com a internet: "Ter um blog, hoje, é uma experiência fundamental para qualquer jornalista; e o primeiro passo para entender a blogosfera é navegar por ela". Ao mesmo tempo, não teme o avanço do público sobre a nova mídia: "A sociedade atual é 'remixada', e os internautas querem contar suas vivências. Não vejo a tecnologia como vilã ― e até sou critica por isso". Usando uma metáfora computacional, resume bem o momento presente: "O hardware não importa mais; o software, a linguagem, é tudo". Para terminar, aconselha: "Navegar é, mais do que nunca, preciso. Encare a Rede". ― JDB

1. No livro que organizou mais recentemente ― Hipertexto Hipermídia: as Novas Ferramentas da Comunicação Digital (Contexto, 2007) ―, você fala, com muito orgulho, que pertence à geração dos anos 1980 e que ela ajudou a construir a internet (de certa forma, estava preparada para a Web). Queria que você falasse um pouco desse sentimento: de todo o seu background, tudo o que você viveu, convergir para a experiência com a Rede Mundial de Computadores... Eu pergunto isso porque todos os profissionais que ajudaram a construir a internet ― seja no Brasil, seja no exterior ― tiveram, em algum momento, essa mesma visão: de olhar para a WWW, parar e pensar: "É isso!". Como foi com você? Como acha que o jornalismo (na sua formação), a História (em paralelo), o teatro, até o PCdoB, a Hilda Hilst e a poesia contribuíram para a sua carreira na internet brasileira? Você já era multimídia antes da moda multimídia?

Acho que nasci meio multimídia, não-linear. Minha mãe conta que quando eu tinha uns cinco, seis anos, assisti Luzes da Cidade, de Chaplin, fui para o quintal, colhi rosas, coloquei um lenço na cabeça e fui vender para a vizinhança como a florista no filme. Sempre fui curiosa e vivia em busca do novo. Mas voltando à década de 80... Eu era aluna da PUC-SP, respirava manhã, tarde e noite "PUC" e ainda passava minhas madrugadas interagindo com a psiquiatra "Eliza", primeira linguagem computacional com reconhecimento de escrita, uma febre nos BBSs (Bulletin Board Systems). Fui a terceira mulher no BBS Mandic. Fazíamos encontros muito divertidos onde o próprio Aleksandar Mandic sorteava modems (os de 56 Kbps eram objeto de desejo). Também coloquei no papel, junto com Luciano Martins (ex-Estadão), a primeira coluna sobre BBS, publicada num jornal brasileiro. Ou seja, a década de 1980, começo de 90, foi muito rica. Escrevia sobre o final da reserva de mercado de informática no Brasil e todo o surgimento do mundo multitarefa como o lançamento mundial do Windows 1995, quando Bill Gates achava que a internet não iria muito longe...

2. Da sua primeira formação, eu queria pular para a formação dos seus alunos na PUC-SP. Eles podem ter tido jornalismo, até História, às vezes poesia, mas certamente não tiveram PCdoB, nem Hilda Hilst ― em compensação, eles têm a internet, que pode proporcionar experiências tão ricas quanto. Como você vê a relação dos jovens universitários ― e, em geral, dos estudantes ― hoje com a World Wide Web? Acha que eles têm noção da ferramenta de que dispõem e tiram proveito dela, ou fazem um uso mais superficial, restringindo-se às notinhas dos portais, aos scraps do Orkut, aos vídeos mais engraçadinhos do YouTube, ao copy & paste? Como você passa essa "consciência" da Rede para eles? Eu falo isso porque às vezes vou conversar com estudantes de comunicação e acho eles um pouco passivos demais frente às possibilidades da WWW. Não sei se é ainda reflexo do espectador de televisão, mas sinto que poderia haver mais empreendedorismo, novas publicações, até blogs mais jornalísticos. Como você vê esse panorama?

Você tem razão, mas o cenário tem mudado rapidamente. Diria que estamos 60% a 40%, onde a minoria posta scraps no Orkut. Ministro aulas na PUC desde 2000 e o jornalista que formávamos há quatro anos não é o mesmo de hoje. A passividade da geração TV (Xuxa) vem sendo substituída por jovens muito ativos/ativistas. Eles criam blogs para cobrir o Fórum Social Mundial, lutam contra o aquecimento global, usam blog para informar sobre lutas políticas como as ocupações da USP e da PUC-SP recentemente. Criam eventos como o Submidialogia # 3 que ocorreu agora, no início de dezembro, em Salvador. O manifesto deles, inclusive, diz: "a arte de re:volver o logos do conhecimento pelas práticas e desorientar as práticas pela imersão no sub-conhecimento. O mundo está em dicotomia convergente, mas vai mudar". Na PUC-SP, mexemos na grade, tornando Jornalismo Online uma disciplina anual, com seis meses de teoria sobre Cibercultura, e a mudança social imposta pela sociedade informacional, e seis meses para a prática do Jornalismo Online. Mantenho cinco blogs de alunos no ar, visando discutir a linguagem, fontes, propriedade intelectual etc. Gosto muito também do que vem sendo feito pelo professor Marcos Palacios e seu grupo do GJOL. Eles montaram um blog coletivo sobre Jornalismo, Internet e Novas Tecnologias de Comunicação, mantido pelos integrantes do Grupo de Pesquisa em Jornalismo On-line da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia.

3. Abre aspas para você: "Não podemos negar tudo isso, não podemos fingir que nada mudou e continuar fazendo nosso jornal de cada dia". Eu puxei esse trecho do livro porque li uma coisa muito parecida numa entrevista do Claudio Tognolli (também sobre o livro novo dele)... Depois da Bolha (2000), eu senti que quase todos os jornalistas passaram a fingir que a internet não existia. Mas, ainda hoje, falta uma postura mais "engajada" em relação à Rede; não falta? Por que você acha que acontece isso? Por que logo os jornalistas ― os "vanguardistas da opinião", como queria o Paulo Francis ― são, em relação à internet, os primeiros a combater as novidades e os últimos a aceitar as coisas? Por que esse "apego" aos velhos suportes (papel, no mais das vezes)? É medo de perder o emprego? É medo de se tornar obsoleto? Mas um jornalista não se torna mais obsoleto fugindo do presente? Senti, no trecho acima, um apelo à sua geração ― é isso mesmo?

Adoro o Paulo Francis, vivo revendo suas entrevistas no YouTube. Ele foi um blogueiro incrível, pena que nos deixou antes dos blogs surgirem. O que aconteceu com a gente? Cadê a criatividade da imprensa? O medo do novo faz a classe envelhecer. Sinto isso nas minhas palestras e viagens por este Brasil maravilhoso. Adoro dar palestra em Manaus, Chapecó, interior de São Paulo, Maceió. Quando o evento é de arte, ativismo, tecnologia, a troca flui, ou melhor: existe troca. Quando o evento é de Jornalismo, existe um peso, um tom nostálgico. Gosto de citar Ignacio Ramonet, diretor-presidente do Le Monde Diplomatique, autor do livro Iraque ― História de um Desastre, pois ele acredita que os jornalistas, que já foram considerados cidadãos de bem, hoje são considerados os piores. Um dos caminhos para reverter isso, segundo Ramonet, é a publicação de livros-reportagem, resgatando um espaço para as histórias cotidianas que não seduzem mais a grande mídia.

4. Lembra daquela mesa que dividimos com o Pedro Doria em 2004, sobre Jornalismo Digital no Itaú Cultural? Lembra como eu e você éramos críticos em relação aos blogs? E lembra como o Pedro fez uma bela defesa deles? Eu reconheço que o Pedro Doria tinha razão e mudei minha opinião não muito depois daquilo; quando comecei a ler os blogs dos Estados Unidos, em 2005. Agora, no seu livro, eu vejo que você, exemplarmente, assimilou os blogs... Então eu queria saber como foi a sua "conversão" ao formato. O que provocou esse "estalo" em você? Eu sei que, no livro, você ressalta que os blogs efetivamente começaram com os "diários de adolescente" (e acho que era isso que você criticava, três anos atrás ― eu, também), mas o que te fez perceber que os blogs poderiam ser muito mais do que aquilo? É sabido e notório ― depois da "campanha" do Estadão ― que muitos jornalistas ainda confundem blogs com "diários de adolescente"... O que você diria para convencê-los do contrário (se tivesse de fazê-lo)?

Boa lembrança, Julio. Aquele bate-papo no Itaú Cultural foi muito rico. Você me fez rever o material recentemente e gostei bastante. Eu (em 2004) ainda achava os blogs muito pessoais, diários mesmo. Confesso que minha transformação ocorreu recentemente, na Copa do Mundo de 2006, quando comecei pessoalmente acompanhar os jogos pelos blogs de Soninha, Kaká, Juca Kfouri, entre outros. Acho que ter um blog é uma experiência fundamental para o jornalista, quase um exercício. Não só para treinar a linguagem, mas para criar o hábito diário de se reciclar, navegar. Pois o primeiro passo para entender a blogosfera é navegar muito. Blogueiro realmente incorpora o bordão "24x7". Sete dias por semana, 24 horas ligado.

5. Eu gosto de outro trecho seu (ainda sobre blogs): "A cada dia, 70 mil [novas] pessoas estão publicando seu jornal na Rede". É tão simples, mas eu vi muito poucas pessoas chegarem a essa formulação a que você chegou. Porque, no fundo, é isso mesmo: o blogueiro quer exercitar a veia jornalística dele, editando as notícias que lê, comentando, produzindo as suas próprias, discutindo com seus leitores ― às vezes, até virando um "profissional" da coisa. O Pedro Doria, de novo, cobrou, há alguns anos, os blogs brasileiros pela falta de informação (de furos etc.) ― mas isso não é reduzir, demais, os blogs ao que os jornalistas da velha mídia acham que os blogueiros deveriam fazer? Todo esse preâmbulo para entrar na sua pesquisa de narrativas não-lineares, e até no Remix Narrativo, se você quiser. Existe o blog que mimetiza um veículo de comunicação, mas existem também os blogueiros com ambições literárias, os que fazem terapia, os que apenas dialogam com outros blogs, os que se capitalizam com anúncios do Google... A vida, na internet, não é só jornalismo, certo?

A sociedade está mudando de curso, de formato. Seria muita arrogância nossa, dos jornalistas, achar que só o Jornalismo está mudando. A medicina está mudando, a publicidade está mudando, a relação educacional das crianças com os livros está mudando, o dia-a-dia de trabalho está mudando. Hoje, ao procurar um emprego, o candidato entrega o currículo e também responde se tem Orkut, Facebook, blog... Enfim, brinco que as previsões de Willian Gibson, em Neuromancer (feitas na década de 80) estão se concretizando. Mas te respondendo, a blogosfera não vive só de jornalismo... Sobre o Remix Narrativo ― coletivo de Web 2.0 que idealizei e transformei em objeto de estudo do meu doutorado na ECA/USP ―, procura brincar e passear pelos gêneros (poesia, conto, folhetim, relatos cotidianos, fotografia, ilustração e MP3). A sociedade atual é remixada e os internautas querem contar suas vivências.

6. Eu lembro de ler, no seu outro livro, sobre a sua experiência ao criar o primeiro site de revista semanal brasileira, o Época Online. Impossível ler aquilo e não perceber que foi um grande momento da nossa internet. Eu não sei, mas, naquele contexto pré-Bolha, eu via os jornalistas tão próximos da Web e do seu desenvolvimento... Lembro que até o Roberto Marinho, você contou, acompanhava os progressos do Época Online. Havia, parece, um consenso de que a internet era o futuro, e os jornalistas se mostravam empenhados em ajudar a construi-lo. Depois, não sei muito bem por quê, os jornalistas rejeitaram a internet, se desconectaram dela e passaram a combatê-la. O Pedro Doria, mais uma vez, acha que simplesmente tiraram dinheiro dos projetos de internet, e os jornalistas profissionais se afastaram dela... (Agora ― segundo ele ―, com o novo boom, estão voltando todos.) Como você vê esses movimentos? Afinal, você não virou as costas para a internet ― foi pioneira, atravessou a Bolha, continuou suas pesquisas e seus empreendimentos. Acha que a lua-de-mel pré-Bolha entre jornalistas e internet pode ocorrer novamente?

Gostei do termo "lua-de-mel pré-Bolha". Acho que o namoro está sendo retomado, mais maduro. Não desisti da internet quando a Bolha passou porque já respirava a Rede desde o tempo dos BBSs. Não vejo a tecnologia como vilã (e até sou criticada por isso), não vejo nossas crianças menos aprofundadas porque fazem trabalhos usando o Google. Eu fazia na folha de almaço, usando a enciclopédia Barsa. Acho que houve uma evolução e tanto. Acho meus filhos bem mais espertos e criativos do que eu fui.

7. E sobre jornalismo colaborativo, qual a sua opinião? Em outubro, nós realizamos um evento a convite da Casa Mário de Andrade, reservamos uma mesa para o jornalismo colaborativo, e eu me surpreendi como existem versões diferentes da mesma coisa, mesmo entre os profissionais envolvidos com essa prática... A Ana Maria Brambilla, que teve aquela experiência riquíssima no OhmyNews, não acha, por exemplo, que o pessoal do Overmundo faça jornalismo colaborativo (eu convidei o José Marcelo Zacchi, diretor-executivo de lá, também). Você, Pollyana, acha que essas indefinições prejudicam o futuro do jornalismo colaborativo (ou do jornalismo cidadão) no Brasil? Aliás, como você vê os portais lidando com essa questão? (Tem tantas críticas quanto a Ana Maria?) Ou essa discussão "jornalística", digamos assim, é tão restritiva ― para o grande fenômeno da comunicação hoje ― quanto no caso dos blogs? Estou perguntando tudo isso porque adorei a sua referência ao livro do Dan Gillmor, na sua introdução: "A Web somos nós"...

A Web somos nós, acredito nisso. Sou tão crítica quanto a Ana Brambilla, concordo que o Overmundo não é um site de jornalismo colaborativo. E acho que os portais precisam se cuidar. Ninguém mais clica nos menus, RSS já representa mais de 20% dos acessos e as matérias são localizadas diretamente pelo Google. As redes sociais estão virando adolescentes cheios de hormônios e os formatos pré-bolha (como os portais) precisam se adequar rapidamente, criar espaços de colaboração e troca de vivências, relatos.

8. Ainda no Itaú Cultural, lembro do Pedro Doria afirmando que "jornalismo é jornalismo" (não importa em que formato), enquanto você argumentava que, na internet, é muito diferente, por causa da possibilidade multimídia da plataforma etc. Em 2004, as pessoas não te entenderam direito, principalmente como os jornalistas iriam escrever, fotografar, gravar sons, filmar... E hoje a minha estagiária, Débora ― que está se formando em jornalismo ―, faz todas essas coisas, naturalmente. A chegada da banda larga, finalmente, fez todo mundo entender o que você estava colocando naquele momento? Os podcasts e o YouTube nos convenceram de que não dá mais para ficar só no texto e só na imagem? Eu recordo, mais uma vez, a sede com que os portais se estabeleceram no Brasil, despejando conteúdo multimídia a torto e a direito, mas, com o predomínio da conexão discada, não havia banda para transmitir toda essa produção... Ouço falar na ressurreição da TV UOL, mas, ao mesmo tempo, acho os podcasts, dos portais, fracos... Como você vê o futuro da produção multimídia no Brasil?

Realmente, Julio, em 2004 achavam minha idéia de repórter multimídia maluca, mas, em três anos, ela se tornou realidade. O YouTube é um exemplo e tanto. Quando será que a TV UOL terá a linguagem do YouTube? Ou os podcasts dos portais serão atrativos? O lastro com o modelo tradicional de telejornalismo ainda prospera, mesmo que o vídeo seja breve e a apresentadora tente parecer casual. O problema é que o editor e o diretor não são heavy users de internet. Navegar é preciso. Não adianta recriar a TV UOL se o conceito ainda for o antigo.

9. Antes de terminar, queria falar um pouco de imprensa móvel. Parece que do mesmo jeito que as pessoas ― e não só os jornalistas ― antes tiveram dificuldade para assimilar a migração do papel para a internet, hoje se tem dificuldade em aceitar que a internet, por sua vez, vai transcender o computador pessoal, migrando para outros suportes como o celular, o iPod e mesmo esse impressionante Kindle, da Amazon (que oferece assinaturas de jornais, revistas, sites, blogs etc.). Quais você considera que são os novos desafios envolvendo esse importante passo? Quer dizer: quando o jornalista finalmente abandonou o jornal e as revistas, e começou a se acostumar com a idéia de site e blog, chega essa nova história de descentralizar totalmente o conteúdo, por meio de feeds (RSS) e agora mesmo fora do computador... Os leitores, eu sei que vão entender, mas isso não vai dar um "tilt" na cabeça dos nossos velhos homens de mídia? Como você, Pollyana, está se preparando para essa nova era? Tem algum projeto especial, para esse novo ambiente?

Nenhuma mudança acontece da noite para o dia. Vou recorrer a um exemplo prático: a migração das agendas de papel para as eletrônicas ou Palm. O medo de perder todos os telefones fazia com que muitos usuários guardassem uma cópia em papel. Ou ainda convivam até hoje com a agenda de papel e o Palm. O mesmo serve para os feeds RSS. Eu assinei mais de 200 e ainda não consigo me habituar com eles, mas estou tentando diariamente "me vencer". Encarar o novo, perceber que o hardware não importa mais; o software, a linguagem é tudo. O suporte de acesso poderá ser a geladeira, o Kindle, a TV da sala, a Lan House. Hoje, na periferia de São Paulo, carregar um pen drive no pescoço causa mais status do que ter um celular ultra-moderno...

10. Chegou a hora dos conselhos. Geralmente, deixamos a última pergunta reservada para os entrevistados transmitirem alguma mensagem para quem está começando na mesma área/profissão... Mas eu imagino que, a esta altura do campeonato, em meio a tantas mudanças, deve haver muito mais gente confusa do que só os jovens (que acabam pegando tudo no ar)... Enfim, eu queria que você desse algumas direções para quem se encontra perdido em relação à internet e aos processos que se desenrolam a partir dela. Como naquela pergunta sobre os jornalistas e a sua geração de 1980, dá para continuar vivendo e ignorando tudo isso? Quem sempre ignorou, por onde deve começar? Como acompanhar todos esses desdobramentos? (Como você, Pollyana, acompanha? Você acompanha todos?) É mais ansiedade ou estamos vivendo, mesmo, uma revolução? Os excluídos digitais serão os novos analfabetos e os que têm fobia de tecnologia serão os semi-analfabetos do futuro?

A internet ― como meio orgânico que é ― propicia a proliferação de fenômenos como a snack culture. O usuário atual se realiza por meio de pequenos recortes das sensações que memorizou, interpretando-as posteriormente por meio de flashbacks da memória. Essa mudança não ocorre apenas na internet. É um fenômeno social. E para entender essas transformações, precisamos voltar os olhos para a década de 1980. Nessa época, houve uma intensificação de misturas entre linguagens e meios, resultando em um "caldo" cultural híbrido recheado de videocassetes, aparelhos do tipo walkman ― tudo devidamente embalado pela notável indústria de videoclipes e videogames. O surgimento do controle remoto também foi um marco nessa mudança de comportamento. O ponto negativo da proliferação da snack culture é a falta de profundidade em relação aos assuntos abordados. Mas o lado positivo é o faça-você-mesmo, a "remixagem" diária da sociedade. Estamos vivenciando o fim da autoria. Não existe, na música, na literatura e nas artes em geral, uma grande descoberta, mas, sim, vários autores juntos produzindo uma releitura de algo. Encare a Rede, faça experimentações, procure se recriar diariamente ― este é o meu conselho.

Para ir além





Julio Daio Borges
São Paulo, 7/1/2008

 

busca | avançada
52329 visitas/dia
1,9 milhão/mês