|
Segunda-feira, 3/3/2008 Gustavo Cerbasi Julio Daio Borges Gustavo Cerbasi não precisa mais trabalhar. Formou-se há menos de dez anos, pela FGV/SP, mas já conquistou o que chama de "independência financeira": ou seja, com a renda obtida mensalmente a partir de economias acumuladas (e bem investidas) durante anos, já consegue manter o mesmo padrão de vida enquanto viver. Mas Gustavo não está contente — quer que outros brasileiros vivam como ele, trabalhando simplesmente por prazer e naquilo que gostam. Escreveu, também por isso, Dinheiro — os segredos de quem tem (2003) e Casais Inteligentes Enriquecem Juntos (2004) — que é um best-seller há mais de cem semanas na lista da Veja. Autor ainda de Filhos Inteligentes Enriquecem Sozinhos (2006) e de Finanças para Empreendedores e Profissionais não financeiros (2007), Gustavo Cerbasi lança, este mês, Cartas a um Jovem Investidor (Campus). Nesta Entrevista, revela seus valiosos "segredos", conta como chegou lá e divide suas opiniões financeiras sobre os brasileiros e sobre o futuro do Brasil. — JDB 1. Gustavo, a primeira coisa que me vem à cabeça é o seu sucesso nos últimos anos. Principalmente graças aos livros, mas também em artigos, palestras, entrevistas... Ninguém nega o seu magnetismo pessoal, a sua capacidade de contaminar as pessoas com uma postura positiva em relação ao dinheiro, e, obviamente, a sua competência em tornar conceitos abstratos, e complicados, acessíveis a todos. Como vê, eu tenho minhas hipóteses para o seu sucesso, mas queria ouvir de você... Por exemplo: imaginava que existiria esse filão, de discutir finanças pessoais, desde que veio a estabilização do real, na década passada? Foi uma aposta sua ou foi um plano, como o seu próprio (de independência financeira)? Enfim: mesmo que em sonho, você imaginava o Brasil vivendo um ano, economicamente, como o de 2007? E a demanda por esses conhecimentos que você propaga crescendo exponencialmente? A coisa não foi tão planejada assim como parece. O meu planejamento foi para ficar rico e financeiramente independente, e descobri que isso era possível ao assistir às aulas de Matemática Financeira na FGV. A estabilização econômica permitiu fazer planos, antes inviáveis em função da cegueira generalizada causada pelo ambiente inflacionário. Dois fatos foram determinantes para meu sucesso: primeiro, a grande vontade de me tornar independente, motivo de eu ter dedicado muitas horas a meu planejamento; segundo, o fato de eu ser professor, o que me deu espaço para compartilhar idéias com meus alunos. Quando eu passei a dar aulas de matemática financeira e contabilidade, usava meu caso pessoal como exemplo. Os alunos se encantavam e começaram a pedir mais aulas com foco nas Finanças Pessoais. Quando surgiram as primeiras demandas de palestras e aulas específicas sobre o tema, surgiu também a necessidade de adotar um material didático. A única referência que existia com foco no comportamento — a meu ver, o grande fator limitante ao enriquecimento — era Pai Rico, Pai Pobre, de Robert Kiyosaki, um livro muito bom mas repleto de erros conceituais, além de inaplicável na realidade brasileira. Tive a felicidade de expor essa crítica da falta de um bom livro justamente para um aluno meu, Roberto Shinyashiki, que era autor sócio de uma editora. Foi dele que partiu o convite e a insistência para eu escrever meu primeiro livro, Dinheiro — Os segredos de quem tem, que detalha o passo-a-passo de meu plano pessoal e de meu raciocínio sobre riqueza. 2. De fato, nós passamos de uma cultura de inflação, até os anos 80, para um outra de controle de preços, de juros altos, mas permitindo mais planejamento, mais perspectivas e até mais projetos de vida. Eu não sei se você concorda, mas tenho a impressão de que essa "ficha" ainda não caiu para muitas pessoas no Brasil... Não temos, por exemplo, o hábito de saber os preços das coisas, desprezamos, como você diz no seu primeiro livro, os centavos e as moedas e, como naquela frase famosa, "superestimamos as metas anuais e subestimamos as de dez anos"... Você — e a sua presença na lista dos mais vendidos justifica isso — está promovendo uma verdadeira revolução nesse sentido. Talvez eu esteja enganado, mas ainda vejo a mudança ocorrendo lentamente — e sinto que é mais uma mudança geracional, do que de década, por exemplo... Na sua opinião, quais são as razões dessa mentalidade (ainda persistente, de inflação) no Brasil? E quanto você acha que demora para mudar? As razões para a resistência das pessoas à atitude enriquecedora estão na sabedoria popular, por incrível que pareça. O brasileiro ainda não sabe conviver com uma economia estável. Somos explorados pela nobreza política há 508 anos. Nosso modelo educacional de base nasceu de religiosos jesuítas, praticantes de votos de pobreza. Até hoje não conseguimos estabelecer o respeito a contratos e à propriedade, e o poder se sobrepõe ao direito. As pessoas simplesmente acreditam que, para ter algo na vida, ainda é preciso ser amigo do rei ou puxar o saco de alguém de "costas quentes", ou então viver como subalterno a vida toda. Além disso, enquanto famílias do mundo desenvolvido enriqueceram com a entrada da mulher no mercado de trabalho, esse magnífico processo aconteceu no Brasil durante duas décadas de inflação descontrolada, quando a regra para proteger seu dinheiro era consumir. O brasileiro está aprendendo com seus erros, mas felizmente a mídia jornalística está se encarregando de abordar esses erros e provocar a discussão sobre o tema. Muitos já estão evitando erros com a leitura regular de livros, jornais e revistas, mas ainda estamos no começo. Perceba: o mercado de previdência privada está comemorando a quadruplicação de seu tamanho, atingindo hoje pouco menos de 17% da população brasileira. Nos Estados Unidos, 88% da população conta com um plano de previdência. Eu acredito que a mudança é (e continuará) lenta, mas consistente, traduzindo-se principalmente no aumento contínuo do número de investidores na bolsa e do número de contratantes de planos de previdência. Esses mercados devem crescer muito nos próximos vinte anos. 3. Você, muito sutilmente, nos seus livros, afirma que falta "educação financeira". Eu concordo. No seu último livro, a ênfase é dada na educação em casa, mas, nos outros, você deixa subentendido que a escola também desempenha um papel importante nesse processo. Eu tenho para mim que "finanças", como matéria, deveria ser algo obrigatório em qualquer curso do ensino superior — assim como psicologia, marketing, empreendedorismo... Você, como professor também, tem esperança de que esse seu apelo surta efeito e de que um dia, talvez, vejamos as finanças pessoais ao lado da matemática e até da economia, já a partir do segundo grau? Outra coisa que eu sempre penso é em relação aos bancos: sei que aos olhos de muitas pessoas soa contraditório (pois, em princípio, eles ganham com essa "deseducação"), mas não está na hora de as instituições financeiras igualmente assumirem a dianteira nesse processo? Será que não existe um interesse comum de que a economia se desenvolva? Nosso comportamento se transforma através da educação, e não com o passar do tempo. O brasileiro está se alimentando melhor e cuidando mais da saúde porque esse conhecimento foi incorporado às aulas de Ciências e Biologia nas escolas. O mesmo vale para a preocupação com o meio ambiente. Porém, quando se trata de educação financeira, o projeto de inclusão no currículo escolar — em todos os níveis — ainda está no papel, mesmo que essa seja uma iniciativa primordial para o enriquecimento da sociedade. O brasileiro só está se conscientizando lentamente porque está ocorrendo um verdadeiro bombardeio jornalístico e midiático sobre a importância do assunto. Felizmente, no meio jornalístico já "caiu a ficha" de que o Brasil reúne todas as condições para sua população enriquecer muito. Uma pena que o acesso à informação ainda seja limitado, e que as revistas, jornais e livros atinjam apenas uma pequena parcela da população. Não tenho esperança de que o assunto seja rapidamente incorporado às escolas, pois o primeiro desafio está em educar os professores. Não dá para ensinar o que a maioria não sabe como funciona. Acredito que a disciplina Finanças Pessoais será implementada nas escolas mais cedo ou mais tarde — aliás, isso já vem sendo feito em algumas escolas privadas e, até onde sei, de maneira pioneira nas escolas públicas do município de Concórdia, Santa Catarina — mas ainda exigirá muito tempo e conscientização dos adultos. Não faltam idéias nem incentivos, mas tanto pais quanto professores ainda estão despreparados para encarar o desafio. Quanto aos bancos, o trabalho já vem sendo feito, e de maneira até surpreendente. Todo grande banco já tem sua cartilha de bom uso do crédito e de consultoria de investimentos. Por regulamentação do mercado, todo gerente de banco é um profissional amplamente qualificado e certificado. Existem produtos fantásticos e eficientes à disposição nas agências, mas ainda não há demanda para eles. A maioria da população ainda quer os produtos mais simples, o que lhes custa caro e dá mais lucro para os bancos. E não dá para esperar mais dos bancos, afinal essas instituições são vendedoras, colocando à venda o que seus compradores querem comprar. Você já viu um corretor de imóveis dando orientações transparentes enquanto você compra um imóvel de difícil negociação, ou um feirante que lhe dá as melhores frutas no final da feira? Isso não existe. 4. Possivelmente, uma das conclusões mais surpreendentes das suas obras é justamente esta: a de que você, Gustavo, quer que seus leitores enriqueçam, conquistando independência financeira, aumentando o nível de poupança no País, baixando os juros e desenvolvendo, enfim, a nossa economia. Falo em "surpreendente", porque, quando se trata de dinheiro, a noção mais difundida é a de que nunca pode ser um jogo "ganha-ganha". Ou seja: ao comprar o livro do Gustavo, estou "dando" meu dinheiro para ele e pronto... Então como ele pode querer que eu fique rico também? Você acha que, a despeito da ascensão social das classes menos favorecidas no Brasil, prevalece ainda a noção de "capitalismo selvagem", onde, para alguns ganharem, é preciso que muitos percam? Como é que nós quebramos esse ciclo, Gustavo? Será que a hegemonia do pensamento de esquerda se tornou uma barreira ideológica contra o enriquecimento das pessoas? Você tocou em um ponto interessante. Sim, quero que meus leitores enriqueçam porque não há quem perca quando todo um país se desenvolve de maneira uniforme e sustentável. Mas o mundo dos investimentos profissionais é pautado pela informação exclusiva, em que aqueles que detêm a informação tiram tudo o que podem dela antes de divulgá-la, ou então a vendem por milhões. Com o conhecimento que adquiri, eu tinha todas as credenciais para oferecer meus serviços a uma empresa de asset managent e multiplicar os lucros de alguns investidores, embolsando gordos bônus no final de cada ano. Como autor, eu não inventei nada — simplesmente, indo contra todos aqueles que me orientaram e ouvindo apenas meu coração e minha família, decidi usar aquele conhecimento para melhorar a vida de um grande número de pessoas. Foi uma decisão arriscada, considerada idiota por meus colegas de profissão, e que, em um certo ponto, cheguei a pensar que poderia não dar certo. Tanto que, em 2004, fui morar fora do País pensando em talvez não voltar mais. O que me fez retomar o sonho foi o fato de meu projeto pessoal de independência financeira ter se acelerado durante o governo Lula: meus investimentos em ações se multiplicaram muito além do que eu imaginava, o que praticamente possibilitou nosso sustento com renda unicamente de meus investimentos já naquele ano. Foi quando decidi voltar ao Brasil e escrever o novo livro, Casais Inteligentes Enriquecem Juntos, sem nenhuma pressão de trabalho ou medo de perder o emprego. O que precisamos é de mais pessoas financeiramente independentes para trabalhar apenas por amor, e não por interesse ou necessidade. Esse é o desafio. Muitas pessoas vão às minhas palestras acreditando que sairão de lá com a dica diferenciadora, o "pulo do gato" para enriquecer. É um erro, pois isso reforça o que você chamou de capitalismo selvagem — o melhor a fazer é procurar enriquecer os outros, assim você enriquecerá junto. Outros criticam o fato de eu oferecer informação demais pelo preço de um livro, quando poderia estar ganhando bem mais pelo preço de uma consultoria. As mais de cem semanas na lista de mais vendidos explica meu raciocínio: ganhar pouco com muitos traz um resultado tão interessante quanto ganhar muito com poucos. Não sou hipócrita a ponto de negar que estou ficando mais rico ainda com meus livros; mas tenho consciência que a riqueza total gerada entre meus leitores é milhares de vezes maior do que a minha como autor. E há aqueles que criticam um ponto mais sensível: o da minha exposição, colocando minha família em risco e exigindo uma grande preocupação com segurança ao falar de minha riqueza. Para esta crítica, dois pensamentos me tranqüilizam: primeiro, que Deus olha o filho que cuida de seus irmãos; segundo, que quanto mais famílias ricas nossa sociedade tiver, menos famílias recorrerão ao crime para alimentar seus filhos. Meu sentimento é o de que minha segurança é uma espécie de corrida contra o tempo: quero fazer os pobres mais ricos para que eles se admirem de sua própria riqueza e não da minha. 5. Lendo seus livros, eu pensava muito no seu plano. E a Carol, minha esposa, sempre me perguntava, enquanto eu lia, meio que brincando: "Mas isso funcionou pra ele? E ele explica como ele conseguiu?". Porque você é sempre muito didático, dá exemplos esclarecedores e, de vez em quando, comenta alguma situação por que passou, mas com muita discrição, sem desviar o foco... Então, se você puder (e como queria a Carol), eu gostaria que você falasse um pouco do seu plano, como foi e como tem sido... Como começou? Eu imagino que você, e a sua esposa, tenha(m) passado por muitas fases, não? As lições, provavelmente, estão nos livros, mas eu queria ouvir um pouco da história (embora conheça alguma coisa dela)... Além dos seus pais, quem foram os seus mentores, para desenvolver, e manter, seu plano? Tem a ver com a sua formação acadêmica? Tem a ver com os empregos por que passou? Tem relação com a sua experiência como docente? Fale um pouco. Minha carreira foi atípica: comecei a trabalhar por necessidade como consultor financeiro, uma área de que eu não gostava, e, alguns meses depois, o professor José Roberto Securato — um dos coordenadores da área de finanças na Fundação Instituto de Administração — me "roubou" do mercado, convidando-me a atuar como consultor e depois professor da FIA. Meu diferencial era não gostar da linguagem complicada do mundo financeiro. As aulas que ministrei foram principalmente para turmas que tinham dificuldade com essa disciplina, pois eu ensinava em uma linguagem mais prática. Securato foi meu primeiro e principal mentor, exigindo que eu cursasse o mestrado na USP e ensinando-me tudo de sua experiência no mercado financeiro. Foi lecionando matemática financeira, numa extenuante rotina de professor em início de carreira, que comecei a fazer as contas e a perceber, por volta do ano 2000, que a única forma de me livrar de tanto trabalho era não precisar de um salário. Na época, morando com meus pais e já namorando a Adriana, decidi poupar metade de minha renda, visando minha independência financeira antes dos 50 anos de idade. O livro Dinheiro — Os segredos de quem tem, que escrevi (como disse) sob sugestão e orientação de meu segundo mentor, Roberto Shinyashiki, apresenta minha forma de pensar sobre dinheiro em essência. A maioria dos exemplos citados se baseiam em hábitos que tenho ou, na maioria dos casos, em erros que cometi com meu dinheiro e que, mais tarde e com uma calculadora nas mãos, percebi e transformei em reflexões para que outros não errem como eu. Tirando os exemplos, o livro é pura matemática financeira. Apenas adotei uma linguagem mais convincente para que as pessoas realmente adotem em sua vida uma ciência que não é nova. No livro Casais Inteligentes Enriquecem Juntos, deixo mais explícito que o texto apresenta as práticas que eu e Adriana adotamos em casa e as angústias que passamos para entender as brigas de amigos nossos por dinheiro. Ao contrário do que muitos pensam, meus pais não me incentivaram muito a pensar em enriquecimento. Os grandes ensinamentos de meus pais, que ajudaram em meus planos, foram a preocupação com o futuro, a descrença na proteção pública, a honestidade e a educação. Meu pai é um cara de marketing, e seu lema sempre foi algo do tipo "o que você fizer, faça bem feito e melhor que os outros". 6. Eu acho interessante, no seu "aconselhamento" (digamos), que você aplica muitos "choques" no leitor. Por exemplo, zomba da falta de uma "cultura" de negociação no Brasil. Até por uma questão de educação (de novo), é "feio" pedir desconto, denota falta de poder aquisitivo, deixa as pessoas melindradas em relação ao seu status social... A negociação é apenas um exemplo, mas eu fiquei, várias vezes, com a sensação de que, como cidadãos, somos passivos demais, "bonzinhos" demais, vítimas demais da situação... De onde vem essa postura? Me ocorreu a metáfora do aluno bem comportado, do dito "cidadão respeitado", "tributável" (Pessoa), que faz, em princípio, tudo certo — mas que, por isso mesmo, respeita as regras demais, questiona de menos, sofre as conseqüências e não se beneficia do sistema... É isso mesmo? Onde foi que nós erramos? O mais certinho da turma não vai ser o profissional mais bem-sucedido, por quê? O que as faculdades não ensinam, às vezes nem as famílias, que condenam tantos à dependência financeira (apesar de seus esforços), aos preços mais altos, à síndrome do "homem-holerite" (como diz seu professor)? O mais certinho da turma não vai se dar bem porque vai seguir as orientações dos poderosos da turma, sejam eles o Estado corrupto ou os profissionais de marketing das grandes empresas. Estamos (mal) acostumados a sermos explorados. Elegemos e não exigimos, pagamos impostos e não cobramos, pagamos tarifas e não entendemos. Não nos falta uma revolução libertadora; o que falta é conhecimento, discernimento, educação: a parcela de culpa do Estado no problema está na nossa educação medíocre e passivística. Não aprendemos, nas escolas, a sermos cidadãos, mas sim a responder a questões de múltipla escolha. Você ainda sabe tirar a raiz de uma equação de quarto grau? Já esqueceu o nome do sobrinho do faraó da quinta dinastia egípcia? E a distribuição dos elétrons em um átomo? Por que aprendemos tanta coisa, mas esqueceram de nos ensinar a usar a previdência privada, a entender os motivos do pagamento de impostos, ou a perceber o que está por trás de uma tabela de financiamento? Por que o Código de Defesa do Consumidor não caiu na prova? Recorro a um exemplo de meu pai para demonstrar que nosso problema pode ser tanto individual quanto público: a rua em que ele mora não tem buracos, não falta luz, o telefone funciona e as sarjetas são limpas, pois no primeiro dia em que um desses serviços falta ele liga para o órgão público ou a concessionária responsável. A taxa de condomínio do edifício em que ele mora é baixa, pois ele semanalmente sugere ao síndico (repare, ele não é o síndico) melhorias e formas de economizar, usando os conhecimentos que adquiriu no setor em que trabalhou, de construção civil. O que nos falta é mobilização. Somos governados por bandidos e aceitamos isso muito bem. Compramos produtos piratas e dizemos isso a nossos filhos sem constrangimento. A quase totalidade dos produtos que consumimos é uma versão que não seria aprovada pelos controles de qualidade da matriz no exterior. Nossa inflação não se dá por aumento de preço, mas sim por diminuição da quantidade de produto na embalagem — e não estamos nem aí! Damos esmolas no semáforo sem pensar nas conseqüências. Nossa cultura é da caridade que mantém a pobreza, e não a que cura. É mais fácil dar um prato de comida para um mendigo do que sugerir a ele que apare nosso jardim em troca de dez pratos de comida. Acostumamos mal nosso governo, que deita e rola na passividade de seus eleitores; acostumamos mal nossos pobres, que ficam à espera de nossa esmola; e acostumamos mal nossos filhos, que seguem nosso exemplo. Os motivos: o reforço, geração a geração, de que os direitos pertencem apenas aos amigos do rei. Eu preferi um caminho um pouco diferente: não dôo dinheiro, mas sim meu trabalho, para ajudar as pessoas — e considero o trabalho de baixa remuneração uma doação. Quanto aos impostos e taxas, pago o mínimo que posso, utilizando todos os recursos que tenho para não pagar impostos e dentro da lei. As pessoas precisam construir sua vida de modo a não depender, no futuro, do Estado e das empresas, pois Estado não existe no Brasil e as empresas não darão emprego para quem viver até os cem anos. 7. Outra "surpresa" dos seus livros é trocar o papel do "juro", tradicionalmente de vilão, para aliado. Estamos acostumados a pensar nos juros como os do cheque especial, do cartão de crédito, do empréstimo e, não, como os juros dos investimentos, dos fundos, das aplicações — como renda, enfim. O Eduardo Giannetti tentou explicar isso no livro dele, mas eu vejo mais como um problema da nossa época (mais do que um problema do Brasil): queremos satisfação imediata, temos pressa, não temos paciência, os prazeres são entronizados e os sacrifícios, esquecidos, a esperteza é uma virtude e a persistência, uma simples teimosia... Tem um lado filosófico, sociológico e até psicológico, no seu trabalho, não tem? Porque em alguns momentos, me parece, a dificuldade extrapola a questão dos números e entramos no domínio dos hábitos, da moral e até do caráter. Estou exagerando ou você concorda? Já pensou que a sua missão transcende a faceta econômica? Há quem destaque o lado filosófico em meu trabalho, outros destacam o lado religioso. Estou até lançando o Casais Inteligentes Enriquecem Juntos nos Estados Unidos por uma editora evangélica... Mas, se esses aspectos apareceram no texto, não foi intencionalmente. Não sigo nenhuma religião de massa, apesar de ter minhas crenças pessoais, e nunca li um livro de filosofia sequer — o do Giannetti eu folheei. Tem muito de psicologia em meus textos, pois, como falei, um de meus mentores foi o terapeuta Roberto Shinyashiki. Acredito que uma das disciplinas que mais fortemente influenciaram meu trabalho foi a sociologia. Cursei dois semestres de sociologia e me encantei com os textos de Darcy Ribeiro e Sérgio Buarque de Holanda, principalmente o Raízes do Brasil. Acredito que sociologia é outra disciplina que deveria ser tão obrigatória quanto Finanças Pessoais no Ensino Médio. Tenho plena consciência de que meu trabalho pode gerar tanto transformações econômicas quanto sociais, e me esforço para que isso aconteça. Quanto à pressa e impaciência, destacadas pelo Giannetti, que caracterizam nossa geração, eu acho que elas representam o triunfo do marketing sobre a educação. A inteligência do vender evoluiu muito mais rapidamente do que a inteligência do comprar, e nossa sociedade é vítima do que em sala de aula chamamos de técnicas de sedução. Mais uma vez, só a educação muda isso. 8. Voltando à Terra, mas ainda na questão dos tabus, me impressiona a sua coragem em desfazer alguns mitos que o brasileiro tanto cultiva. Por exemplo, o da casa própria. Você demonstra, perfeitamente, como um financiamento pode ser uma fria. E vai além (questiona uma verdade quase absoluta): imóvel nem sempre é bom investimento e quase sempre, hoje, rende menos (em forma de aluguel) do que o mesmo dinheiro renderia aplicado no banco... (Os corretores de imóveis devem te detestar por isso, eu imagino.) Que carro não é investimento, hoje praticamente todo mundo sabe — mas você quase chega a pregar que é mais negócio andar de táxi (certamente, o é de ônibus...). Sem mencionar os seguros, mesmo o seguro de vida você questiona. E os planos de saúde... É incrível, porque, na maioria dos casos, basta fazer as contas — mas as pessoas, novamente, não querem enxergar... Como em tantos outros aspectos, você acredita que esses tabus vão cair, como parte do nosso amadurecimento econômico, ou alguns ainda vão ficar, como mero cacoete cultural? Muitos tabus estão caindo. Pergunte a um motorista de táxi de São Paulo se ele não está satisfeito — muitas famílias de classe média sabiamente abandonaram o segundo veículo, após perceberam que curtos deslocamentos de táxi são mais econômicos, mais produtivos (você pode ir lendo) e, em alguns casos, mais rápidos (em São Paulo, um táxi com passageiro pode utilizar os corredores de ônibus). Quanto à casa própria, não quero fazer com que as famílias abandonem os planos de uma conquista tão prazerosa — mas, inegavelmente, o começo da vida a dois não é hora de enterrar dinheiro em um consumo tão caro; o aluguel é muito mais eficiente para quem ainda está lapidando seu padrão de vida, pois nos dá flexibilidade e permite que o dinheiro se multiplique. Na minha percepção, as pessoas já estão percebendo isso. Muitos jovens já falam em construir seu primeiro milhão antes de sair da casa dos pais. Quem não consegue pagar um plano de previdência para garantir seu futuro está, ao menos, preocupado em contratar um VGBL com seguro para garantir a faculdade dos filhos. Eu acredito que os próximos vinte anos serão marcados por um forte crescimento no mercado de previdência, pois a educação financeira está se popularizando. Com o tempo, surgirão casos daqueles que, mesmo seguindo um bom projeto para o futuro, deixaram sua família na miséria por não terem contratado um seguro de vida. Acredito que, após a consolidação da previdência, será a vez do fortalecimento do mercado de seguros. Com a economia estável e a informação distribuída democraticamente, o ajuste cultural é inevitável. Obviamente, sempre teremos pessoas com conhecimentos limitados, "comendo pela borda" do conhecimento e ainda aprendendo com seus próprios erros. Mas, sinceramente, estarei muito feliz quando as pesquisas mostrarem que as pessoas das classes A e B serão muito mais numerosas do que hoje e que os netos das atuais classes D e E poderão estar batalhando por um espaço na classe C da sociedade. Perceba que os indicadores sociais já apontam essa tendência. Mérito da educação financeira? Não, o mérito é de um conjunto de iniciativas que estão acontecendo ao mesmo tempo na política, na economia, na educação, na imprensa e no comportamento das famílias. Se o brasileiro está hoje sofrendo com o acúmulo de dívidas contraídas através de empréstimos consignados com desconto em folha, temos que comemorar. Há poucos anos, o cenário de endividamento era o mesmo, mas as dívidas eram totalmente concentradas no cheque especial e com as operadoras de cartão de crédito. 9. Estamos nos aproximando do fim, logo eu queria tentar fazer uma pergunta sobre a sua experiência como "evangelizador" do plano de independência financeira. As pessoas devem estar lendo e pensando: "Ah, mas isso não se aplica a mim. Esse cara é maluco! As coisas que ele fala não têm nada a ver comigo..." Então eu queria que você dividisse, com a gente, alguns testemunhos, de situações que presenciou, de pessoas que ajudou, de "cases"... Porque a maioria pensa que economizar é só para quem ganha "mais do que precisa"; porque se fica esperando o momento certo para começar a investir (que nunca chega); e porque, às vezes, o sujeito está tão atolado em dívidas (ou até já se acostumou a viver com elas) que não enxerga nenhuma possibilidade de transformação... O que você, Gustavo, já viu, viveu, constatou que pode servir de estímulo para quem está te lendo, aqui, e considerando que esta conversa não lhe diz respeito ou que, simples e apenasmente, seus problemas financeiros não têm solução? Acho que eu mesmo sou um exemplo para os desmotivados. Formei-me em julho de 1998. Na época, eu não fazia idéia de qual carreira escolher, nem de onde obter renda — cheguei a prestar concurso público, mesmo recém-formado em uma excelente faculdade. O mercado de trabalho não estava fácil. Em dez anos, revolucionei minha vida, apenas fazendo boas escolhas (ou a maioria delas) e sendo muito obstinado. Nos últimos cinco anos, recebi mais de dez mil e-mails (todos arquivados comigo) de pessoas que transformaram suas vidas a partir de reflexões sobre o que escrevi ou falei. Não me impressiono muito pela quantidade, mas sim pela diversidade das mensagens. Entre os depoimentos estão jovens e idosos, famílias de todas as classes sociais, de todos os estados do Brasil (estou estudando uma ida para palestrar até em Macapá), agricultores, empregados da indústria, funcionários públicos, aposentados, militares, brasileiros morando no Japão, enfim, não saberia lhe dizer um perfil que ainda não orientei. Tive ciência disso ainda em 2004, quando palestrei em uma igreja mórmon onde a renda média dos participantes era de menos de dois salários mínimos — alguns meses após essa palestra, o bispo daquela igreja me mandou uma mensagem relatando grandes transformações nos hábitos de seu rebanho... Não tenho a ilusão de que boas informações financeiras acabarão com os problemas das famílias de todo o Brasil, mas estou certo de que podemos melhorar muito a qualidade do endividamento dos brasileiros ao mesmo tempo em que ajudamos a aumentar os lucros dos bancos e a arrecadação do governo — todos esses são elementos importantes para a saúde de nossa economia. Meu trabalho é o de mostrar às pessoas que, nas questões do dinheiro, não há certo ou errado, mas sim o mais eficiente e o menos eficiente. Todos os dias fazemos escolhas, e o que proponho é que possamos escolher melhor para poder escolher mais. Seria idiotice supor que todo brasileiro reúne condições para se tornar um milionário. Mas se eu atingir meu objetivo de tornar a educação financeira no Brasil um assunto tão popularizado a ponto de se tornar banal, não tenho dúvida de que todos aqueles que tiverem acesso a ela estarão construindo uma vida com menos obstáculos a serem superados. 10. Por último, eu queria ouvir seus conselhos para os mais jovens. Não as crianças ou os adolescentes (nem os pais deles), mas pensando naqueles que estão começando a estagiar, a trabalhar, a descobrir tudo isso que discutimos aqui. O normal, nessa fase, é ignorar os conselhos e achar que, por enquanto, não é hora ainda de começar. Mas você mostra, até com o seu exemplo, que essa mesma fase é crucial e que o jovem (depois adulto) pode ganhar, ou perder, uns dez anos, por baixo, do seu plano... De certa forma, como analogia, me faz pensar nos estudiosos da longevidade, que pregam cuidados com a alimentação desde a juventude, porque, segundo eles, é possível dobrar a expectativa de vida proporcionalmente aos anos que ainda restam... Teria alguma coisa que você, Gustavo, mudaria nesses seus "verdes anos"? Do que o jovem precisa estar consciente, quais são as armadilhas, como ele pode definir, desde já, seu futuro? Sei que vem livro novo por aí, nessa área, mas eu queria que você deixasse uma mensagem para quem espera ficar rico (ou enriquecer um dia)... Uma vez, um jovem recém-formado me escreveu comentando uma idéia que ele e um grupo de amigos cultivavam, de que para eles era importante pensar em curtir a vida e a juventude até os trinta anos, para depois pensar em planejar o futuro. Respondi a ele com um questionamento, perguntando se o grupo de amigos fazia academia, alimentava-se de maneira saudável e evitava vícios para cultivar a saúde. A resposta foi afirmativa. Nossa vida financeira é um dos pilares da qualidade de vida, que deve merecer tanta atenção quanto o cuidado com o corpo, com a alimentação, com a carreira e com a vida social. Tudo que fazemos hoje é uma construção do que seremos amanhã. Se deixarmos para cuidar de nosso futuro após os trinta, provavelmente teremos que mudar de planos em função de um caro projeto de sair de casa e se casar. Depois, outro motivo para mudar de planos será a vinda de filhos. Depois, a vontade de educar bem esses filhos, seguida dos incríveis custos de encaminhá-los para a vida, investindo em cursos universitários. Até que os nossos filhos saiam de casa, teremos várias e consistentes desculpas para não conseguir poupar. Provavelmente, quem deixar seus planos financeiros para mais tarde só vai conseguir colocá-los em prática após os cinqüenta anos, o que exigirá uma enorme economia mensal para tirar o atraso. De tanto curtir a juventude, os jovens podem vir a se transformar em escravos da sua falta de planos, envelhecendo a partir do momento em que não tiverem outra opção a não ser correr atrás do prejuízo para manter em dia uma vida digna. Se todo jovem começasse a cuidar de seu futuro desde cedo, estaria garantindo uma boa melhoria em seu padrão de vida futuro, pois sua reserva financeira continuará se multiplicando por muitos anos mesmo que fatos importantes como o casamento ou um filho o impeçam de continuar poupando. Plantar cedo nos permite colher mais frutos, e esse é o motivo de meu incentivo aos jovens. Com um futuro equacionado e com menos preocupações, é provável que a tranqüilidade decorrente desse fato faça com que a juventude dure mais tempo. Esse é um dos motivos das pessoas viverem mais em países desenvolvidos. Preocupação é um dos motivos de envelhecermos e morrermos antes da hora. Para ir além Julio Daio Borges |
|
|