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Segunda-feira, 4/5/2009 Cris Dias Julio Daio Borges Foto de Fabio Seixas Assim como existem os "empreendedores em série", Cristiano Dias, além de empreendedor, é "pioneiro em série", na internet do Brasil. Tem quase dez anos de blog, já falava em podcasts há cinco anos e, "até prova em contrário", foi o primeiro brasileiro a entrar no Twitter — em 13 de julho de 2006. Cris Dias, como é mais conhecido, começou programando em microcomputadores TK-85 e CP 500, ainda na década de 80, estudou mecânica, publicidade e radialismo mas se formou, mesmo, em informática. Além de ser uma referência para a internet brasileira — com mais de 5 mil posts no currículo —, montou o Technorati brasileiro (antes do BlogBlogs) e, desde 2006, vive de suas iniciativas on-line, graças ao Vilago (sua empresa de hospedagem, que se especializou em blogs). Nesta Entrevista, Cris relembra a velha-guarda blogueira: "Somos sobreviventes e insistentes". Conta um pouco da história do lendário TopLinks e admite: "A internet ainda é dos programadores". Confessa: "Eu era o nerd da turma" e, profissionalmente, assume que pode dividir sua carreira em "antes" e "depois" do blog. Elogia, abertamente, o Twitter e aborda, como se não bastasse, seus projetos em áudio e vídeo. Termina discorrendo sobre fama na internet, temperando com um conselho cheio de sabedoria: "Não dá para ficar entrando em paranoia de comentarista anônimo quando pessoas que você conhece, e admira, curtem o que você faz". — JDB 1. Cris, eu ouvi falar de você no início dos anos 2000. Numa época em que se dizia que o Hiro, seu amigo, juntava as duas metades da Rede, no Brasil. Lembra disso? Pois, então: vocês eram nossos guias aqui em SP e ouvíamos falar de vocês, aí no Rio, como se fossem inacessíveis... Era o começo da blogosfera na internet BR, não era? Você sente saudades daquele período? Outro dia fizeram uma matéria sobre os "10 anos da blogosfera brasileira" e eu, vendo aquelas figuras, confessei a um colaborador meu: "somos todos sobreviventes"... Você se sente também assim? Ficou na internet só quem persistiu? No início, éramos todos como o Twitter é agora: famoso(s) mas não dá(vamos) lucro? Talvez eu tenha saudade da época em que dava para conhecer todos os blogueiros brasileiros pelo nome, marcar uma pizza e sentar todo mundo em uma mesa pequena, ou seja, dava para acompanhar o que todo mundo falava sem ficar louco. Só que eu não tenho, por exemplo, esse "medo" que a gente vê por aí de que "o Twitter vai virar Orkut, com a invasão da massa". Se eu acho o Twitter "a melhor coisa que já aconteceu na internet desde os blogs", eu quero mais é que todo mundo use, não quero só pra mim. Mesmo que o preço seja não conseguir acompanhar toda informação relevante... Nós somos sobreviventes ou insistentes. Muita gente boa (e provavelmente mais esperta do que a gente) deve ter é cansado "do mundinho", como eu costumo chamar, de brincadeira. É muita metadiscussão e muito autoelogio, é muita gente querendo crédito para si — e os outros macacos velhos simplesmente resolveram guardar seus pensamentos para si, e suas mesas de bar, e deixar os sobreviventes falando no meio da galera... Eu adoro estar nessa "eterna transição", mas, de vez em quando, cansa, sim. 2. A segunda vez que eu ouvi falar de você foi por causa de um texto do Alexandre Soares Silva, que deixou você inconformado... Eu acho que vocês, blogueiros da primeira leva (o Alexandre é da segunda), tinham essa visão mais igualitária da Rede, tipo Cluetrain Manifesto, que nós ainda não tínhamos... Talvez você nunca tenha articulado isso "à la longue" (como dizia o Paulo Francis), mas te vejo como uma das poucas pessoas que têm uma visão quase filosófica da internet. Alguém que entendeu logo o que a Rede significava, em termos democráticos, e que, além de discutir ideias, adotou uma certa "ética" digital na vida... Afinal: passam-se as ferramentas, passam-se os formatos, e você continua sendo um dos nossos "evangelistas" mais requisitados. Você se sente bem nessa posição, de "pensar" a internet BR e de fornecer direções às pessoas? Requisitado? Como eu twittei esta semana, eu queria ser convidado para tantas festas (e palestras) quanto acham que eu sou. Esse texto do Alexandre Soares Silva, caramba, eu tive que catar no Google, é de 2002! Eu gosto de pensar em Web. Eu adoro participar dessa transição de "velha mídia" para "nova" onde não necessariamente (e não automaticamente) "novo" é igual a "melhor". Hoje mesmo eu estava numa daquelas de filosofia-de-boteco, me perguntando por que diabos eu faço isso. Por que eu tenho um blog, por que produzo podcasts sobre o assunto, por que gosto de dar palestras... mesmo algumas vezes levando pedradas de gente que só soube que eu existia em 2008. E provavelmente eu nunca parei para me perguntar isso, deve ser coisa da idade... O curioso é que uma das coisas de que esse texto meu reclama é justamente de quem se acha "melhor que a maioria", de quem caga regra, de quem fala "escuta e me segue" (no caso uma posição política de direita)... E isso é totalmente contra a tal "cultura da rede". Às vezes encontro muita gente por aí que me vê como um tremendo caga-regras, quando meu pensamento na hora de escrever é: "Bom, isso é o que eu acho; diz aí o que você acha". Então a resposta para a minha filosofice é que estou aqui para aprender e "passar adiante" o que aprendi — com um pouco do meu ponto de vista, é claro... Até o dia em que eu cansar e virar macaco velho. A cultura de rede, a cultura do remix, a gift economy não está (estão) nem aí para quem é "o autor da ideia" — porque o autor é "todo mundo", cada um pegando um pedaço, dando o seu tempero e passando adiante. Só que o ser humano (e, apesar dos boatos, eu sou humano) tem essa necessidade da tiração de onda, do "eu já dizia isso 5 anos atrás", de ser referência e capitalizar em cima... 3. Acho que a terceira vez em que eu ouvi falar de você foi por causa do TopLinks. Era o Technorati brasileiro antes do BlogBlogs e todo mundo entrava para dar uma olhada. Eu, mesmo: lembro que, quando lançamos o Blog do Digestivo, um dos parâmetros, a fim de saber que havíamos sido bem-sucedidos, era observar o número de referências no TopLinks. Como foi comandar aquele site tão importante? Você foi, também, o "Interney antes do Edney Souza"? Era você sozinho? Até onde o TopLinks cresceu? Você chegou a pensar em transformar aquilo num serviço ou era mais algo que você fazia por curtição? Outro dia, você me contou que resolveu tirar os arquivos do TopLinks do ar e que o Inagaki sentiu falta... Acha que as pessoas ainda te reconhecem por ter feito aquilo ou que as referências na internet são, infelizmente, efêmeras? Que nada, só o pessoal muito da velha-guarda (em tempo de internet) lembra. Ontem eu li no blog Conversas Perdidas uma pessoa que disse "Calma, não priemos cânico" e a outra, obviamente bem mais nova, retrucou "Por que você tá falando ao contrário?". Chaves passou outro dia, mas, pra um monte de gente, é tão velho quanto Viagem ao Fundo do Mar. Nem de longe eu me acho velho, mas quando esse tipo de coisa acontece só me resta rir e reconhecer os cabelos brancos nas têmporas. O TopLinks era pura diversão. Eu cheguei a botar AdSense, link de afiliados, todas essas coisas problogger, mas nunca rendeu mais que alguns centavos. Isso também era parte da curtição: ver se eu conseguia fazer um código fonte que conseguisse transformar aquilo num conteúdo relevante, para virar dinheiro automaticamente. Parece que o pessoal do BlogBlogs achou o caminho. O Interney, que você citou, é o Sr. Edney — justamente por ter sido um dos primeiros caras que conseguiu achar o caminho para "monetizar blog". Ele fazia SEO antes de inventarem esse termo. Você buscava qualquer coisa no Google e o Interney aparecia na primeira página. Para ficar bonito no papel a gente pode dizer que o TopLinks foi vítima do seu sucesso. Primeiro porque começou a aparecer muita gente querendo trapacear para aparecer bem no site (ou simplesmente aparecer bem no Google, respingando em mim). Com o crescimento do banco de dados ele começou a demandar uma máquina dedicada e foi aí que eu resolvi fechar, ele ia começar a me dar uma despesa que eu não podia bancar. O TopLinks começou tão mambembe que os blogs cadastrados precisavam ser aprovados manualmente por mim, pela Anna, minha esposa, e depois pela Luciana Misura, que ofereceu uma ajuda salvadora. Nem isso adiantou, claro. Só depois (com o RSS se firmando como padrão entre os blogs) eu consegui automatizar o processo de cadastro... fazendo o banco de dados explodir de vez. 4. Lembrei do Edney e lembrei do Manoel Lemos, então queria te perguntar se a internet continua sendo dos programadores. Essa pergunta, na verdade, surgiu durante a nossa mesa, na Mário de Andrade, em que também estava o André Garcia, da Estante Virtual (foi a Verônica Mambrini, ex-Colunista do Digestivo, quem perguntou). Na época, eu achei a generalização meio restritiva (e nem poderia responder muito, porque eu estava mediando), mas, pensando depois, voltou em forma de conclusão. Eu pergunto porque os principais sites tiveram sempre grandes programadores por trás... Os jornalistas, e outros profissionais, entraram na esteira dos blogs, mas minha impressão é de que ficaram limitados às ferramentas que adotaram e que, a partir de um certo ponto, só é possível prosseguir "metendo a mão no código"... Isso faz sentido para você ou a democratização dos meios pode, um dia, equipar igualmente os não-programadores? Eu ainda acredito que sim (a internet é dos programadores). Um site pode não ter várias coisas mas ele vai precisar de um código fonte rodando embaixo de tudo. É claro que você pode fazer um tremendo site de conteúdo usando só um WordPress padrão, temos vários aí... O curioso é que hoje em dia eu quase não programo mais, só mesmo por "diversão" (como foi com o filho do TopLinks, o robozinho do ranking do Twitter em português, que também já começa a sofrer com o excesso de usuários). Então, nos meus projetos atuais, como no enxame.tv, eu vivo sentindo falta de um programador, do escovador de bits que vai sentar e resolver aquele problema em uma virada de noite. Ainda acho que quem quiser ter um empreendimento inovador on-line precisa de programadores como sócios. Contratar um frila não vai oferecer nem uma fração do comprometimento de que uma empreitada startup precisa. 5. Também peguei o TK-85 e o CP 500 como você, mas comecei num Unitron (clone brasileiro do Apple II+). Hoje a gente programa com o objetivo de soltar o código na Web, mas as pessoas não sabem que já programamos também pelo simples prazer de ver a coisa funcionando — para nós mesmos. Acho que já escrevi que passava o dia inteiro montando um programa que "conversava" com as pessoas, na data do meu aniversário, e que, ao desligar o computador, perdia tudo, porque não sabia gravar em disquete... A internet era o nosso inconsciente coletivo e estávamos todos sonhando as mesmas coisas, desconectados... Você também carrega histórias assim? Vai contá-las à sua filha? (Ou ela nem vai se interessar?) O fato de termos vivido essa era pré-histórica, em que códigos se perdiam no limbo, pode ter nos ajudado a navegar melhor na Web? A geração do meu pai era quase toda de engenheiros, a nossa é de programadores (de novo)? Com a garotada do enxame, eu às vezes solto alguns "no meu tempo era diferente", mas eu não fico mandando PPTs para mostrar como a nossa infância era maravilhosa. Eu era o nerd da turma; não dá pra ter lembranças maravilhosas da infância. E, caramba, quando a gente era moleque, não tinha telefone celular! Imagina eu tentando explicar para a minha filha como a gente fazia pra se virar sem um. "Como você encontrava com os amigos nos shows?" "É... a gente marcava um lugar aproximado, mas às vezes via o show sozinho mesmo." Já ela vai explicar, para os meus netos, como ela viveu um bom tempo sem GPS em tudo que é aparelho. Durante um tempo, ser da primeira geração da informática foi uma ótima vantagem. Eu tive tempo para aprender devagar. Era fita cassete, depois disquete, depois disco rídigo, depois e-mail... Quem (independente da idade) começou a usar computadores nos anos 90, teve de aprender uma quantidade enorme de coisas que eu e você vimos evoluir passo a passo. Só que naquela época — e é aí que vem a diferença para as gerações seguintes — não tinha Google para perguntar. Com a curva do progresso ficando cada vez mais acentuada, essa mesma vantagem já sumiu. Quem foi inventado primeiro, a TV ou o microcomputador? Para a minha filha, a resposta é "os dois juntos, no dia em que eu nasci". Ela vai olhar tudo com uma visão completamente diferente — algo de que eu e você simplesmente não somos capazes. Aliás, já olha. Ano passado (ou seja, ela tinha uns 2 anos de idade), eu estava no computador e ela querendo atenção. Fiz o que todo pai faz hoje: botei ela no colo e fomos passear pelo YouTube. Era Ursinhos Carinhosos pra cá, Hi-5 pra lá... Até que eu achei um vídeo de nós dois, feito com a webcam. Ela apontou para tela feliz e disse "sou eu!". Depois disso fico sempre pensando em como vai ser o conceito de "celebridade", para alguém que já aparece na tela, desde que nasceu, junto com os astros globais; que vai produzir, se quiser, tanto conteúdo quanto uma emissora de TV ou uma revista... 6. Queria te ver falando do seu blog. Você, realmente, não se contentou em soltar seus "robozinhos" pela Web — quis discutir ideias com a internet BR. Geralmente, quem faz, não escreve; e quem escreve, não faz — como é que você concilia as duas coisas? Já escreveu mais, já escreveu menos — já pensou em ser escritor? (Nem mesmo naquela época infestada de blogueiros que publicavam, celeremente, nas editoras?) Sua relação com o blog é estável ou já quis matá-lo para se livrar da obrigação? Mudou bastante ao longo dos anos? A moda dos blogs, da primeira leva (e da última), chegou a te incomodar ou você não entra nesse tipo de julgamento ("que sobrevivam os melhores")? A única vez em que pensei seriamente em matar o blog foi naquele episódio em que uma empresa de "recrutamento" (tem que botar um monte de aspas aqui) processou o Gravataí e ameaçou de fazer o mesmo comigo. Fora isso, nunca. No dia a dia é só uma atenção maior ou menor durante o ano, de acordo com as ideias, o nível de trabalho e a procrastinação nas veias. Sabe aqueles chavões de TV e cinema ("nesse filme, a cidade é personagem")? Na minha vida, meu blog é com certeza um personagem. Vai fazer nove anos! 5007 posts. Caramba, o "Se você segue 10 mil pessoas no Twitter você está enganando 10 mil pessoas" foi o 5000º post... e eu só me toquei agora. Aliás, uma coisa boa de ser programador é essa: meu blog já passou por umas 4 ou 5 plataformas de publicação e eu nunca perdi um texto ou comentário. Eu só não vou dizer que tudo que tenho hoje devo ao blog porque, além de ser piegas pra caramba, não é realmente verdade — porque eu conheço a minha esposa há mais tempo do que a própria internet. Mas minha carreira profissional é claramente dividida entre antes e depois do blog. Meu blog tem a vantagem de ser pessoal, não é sobre gadgets, comunicação, games — não é sobre nada, é sobre o que eu estiver a fim de escrever. E sempre — sempre — fico pensando em todas as coisas que pensei em escrever e que não escrevi — provavelmente porque estava fazendo, como você falou... 7. E o Twitter? Era inevitável esta pergunta. Eu te vi lá desde o começo, religiosamente — certo? Você deve ter visto a coisa se transformar completamente nestes anos... Lembro que, numa das primeiras vezes em que entrei, achei uma página sua e confesso que, inicialmente, não captei a mensagem. O Inagaki precisou insistir para eu entrar. (Foi um conselho de amigo...) Você se diverte com a incompreensão do Twitter (principalmente na ala dos jornalistas)? O que é o Twitter para você (arriscaria uma definição)? Em que o Twitter beneficia o seu trabalho, o seu dia a dia (arriscaria convencer os partidários do ceticismo anti-Twitter)? Agora uma pergunta que se relaciona com a anterior (se é que você já não respondeu lá): o Twitter influenciou seu blog? O microblog é um formato que veio para ficar? E esse pessoalzinho que fica competindo pelo número de seguidores — transportaram valores, erroneamente, do off-line para o on-line? Ontem eu dei uma entrevista (para a TV) sobre o Twitter. A menina queria saber "os usos do Twitter, que agora não é só para fazer amizades etc.". Aí eu falava — já gravando — que cada um usa o Twitter como quer e que ele não necessariamente precisa ser chamado de "rede social"; ele é mais "o filho do amor proibido entre o scrap do Orkut e o chat do MSN". Ela me olhava esquisito e fazia, de leve, "não" com a cabeça. Nem sei se ela sabia que estava com uma expressão corporal tão forte. Comecei a ficar preocupado, será que eu não sei dar entrevista? O que ela queria ouvir de mim? Depois de alguns "ok, vamos refazer essa pergunta aqui", acabou a gravação e ela disse: "É, acho que vou criar uma conta nesse negócio". Oi??? Eu acho que ela nunca tinha visto o site do Twitter (era a noite de uma véspera de feriado e a pauta deveria ter caído no colo dela). Os jornalistas que precisam escrever sobre o Twitter, já partindo de um preconceito, encontram problemas, mas, em resumo, o Twitter é isso: o que cada um quer fazer naquele espaço de 140 letras. Quando falam de "rede social", todo mundo, claro, pensa em Orkut. Em amigos. Em scraps. Em álbuns e comunidades. E aí piram quando descobrem que no Twitter não tem nada disso. E que é isso que torna ele tão mágico, para tanta gente: você usa como quiser. (Nem que seja seguindo 100 mil pessoas.) O Twitter, repito, é a melhor coisa da internet desde os blogs. Talvez daqui a alguns anos eu diga, inclusive, que ele representou mais que os blogs, mas como ele é um tipo de microblog fica difícil, pra mim, desassociar. A velocidade do Twitter é insanamente maior do que a dos blogs. A gente achava que, nos blogs, havia conversas? Os blogs hoje parecem tão lentos quanto livros de papel. Para quem "estuda" a internet, o Twitter é um microcosmo de blogs e redes sociais, com gasolina injetada na fogueira o tempo todo. A velocidade permite ver as coisas se desdobrando diante dos nossos olhos. Eu fui, até prova em contrário, o primeiro brasileiro a entrar no Twitter. Segundo o whendidyoujointwitter.com, em 13 de julho de 2006. Eu, naquela época, tinha tempo de ler o TechCrunch todo dia (ou quase) e, quando li sobre o lançamento dessa coisa maluca, pirei. O texto explicativo no site era mais ou menos assim: "Sabe essa mania de ficar mudando o status do MSN toda hora, para dizer o que você está fazendo ou como está se sentindo? Imagine poder fazer isso da rua, com o seu celular. Dizer 'estou na porta do barzinho', e imagine seus amigos serem avisados por SMS, na hora." Simples e genial. Eu cheguei a mandar um e-mail pro @jack falando: "Vocês precisam trazer isso para o Brasil, aqui celular tem uma penetração enorme!". E ele educadamente respondeu: "Primeiro, vamos fazer esse monstrinho funcionar direito, depois vamos pensar em expandir internacionalmente. Não ligue para nós, nós ligamos para você." E aí aconteceu o que deve ser uma dar maiores sortes da minha vida. Para facilitar o processamento das páginas do site, eles resolveram ordenar aquela lista de carinhas pela chave primária do usuário, que, no início do site, era simplesmente um número sequencial (eu sou o usuário 572). Ou seja, aparece primeiro quem entrou primeiro. Em nenhuma outra rede social é assim. No Orkut não é assim, no MySpace não é assim... Justamente, na rede social em que eu entrei primeiro, os caras resolvem fazer isso. Ajudou o fato de o meu avatar ser um desenho com fundo branco e pronto. Toda semana (até o Twitter finalmente mudar a ordem das carinhas), alguém twittava: "Por que diabos o crisdias é o primeiro na lista de todo mundo?". Ou: "Por que diabos todo mundo segue o crisdias?". Eu gostaria de crer que eu, acima de tudo, escrevo bem, que tenho "a manha" com mídias sociais — e que consegui vários leitores por causa disso, mas... ser o primeirão lá, por quase 3 anos, ajudou bastante. 8. E o Vilago? Raspei no seu lado empreendedor algumas vezes aqui, mas queria aprofundar isso agora. No seu site, você afirma que se descobriu empreendedor com o Vilago, mas eu acho que você já era antes, com o TopLinks. Sim ou não? Pelo que você escreveu, parece que sentiu uma certa resistência em assumir isso ou que simplesmente demorou para se enxergar desse modo... Tem a ver com o fato de a maioria das pessoas relacionar empreendedores com empresários, porcos capitalistas, "exploradores"? Você, com uma visão gregária da internet, de repente não conseguia se identificar com os empreendedores "de tijolo e cimento"? Insisto porque comigo foi assim... Até que descobri que o empreendedor é apenas um sujeito que descobre uma maneira nova (mais eficiente) de organizar as coisas. Empreendedorismo vicia, Cris? Empreendedorismo, para mim, vicia. Eu só consigo me ver empregado, CLT, coisa e tal, numa posição de desbravar, empreender, bolar essas novas maneiras de fazer as coisas, de fechar negócios. Eu já empreendia antes, eu tive uma gibiteria com o Alexandre Maron, quando a gente tinha uns 20 anos, mas só fui me ver como "empreendedor" quando passei a viver do Vilago, em 2006. Antes disso, o Vilago (e o TopLinks, e o Idearo...) era(m) só "coisa(s) que eu fazia fora do horário do expediente". "Empresário" ganhou mesmo esse tom pejorativo no Brasil, era usado como xingamento pelo pessoal de esquerda (e eu me considero um cara de esquerda). Deve ser por isso que o termo "empreendedor" acabou colando, não só porque é mais abrangente (você pode ser empreendedor mesmo sendo funcionário) — mas por tentar aliviar esse lado "explorador da classe operária" etc. O Vilago é um exemplo de sucesso de "marketing em redes sociais", apesar de nunca ter sido planejado como tal (até porque nem existia o termo "rede social" em 2003, quando eu comecei). Exemplo bom, porque mostra a velocidade necessária para construir uma marca (sem investir em mídia de massa): anos. Quem me dera ter tido verba para colocar um anúncio no Jornal Nacional, mas a estratégia foi outra (e acabou dando certo também). 9. Queria falar das suas iniciativas em áudio e vídeo... Para variar, é você um dos pioneiros em matéria de podcast no Brasil (junto com o Alexandre Maron)? Outro dia, você reclamou que os podcasts eram ouvidos menos do que o esperado; ao mesmo tempo, os videocasts eram tão assistidos que você passou a ser xingado como nunca na sua vida... O que aconteceu com o podcast aqui, você tem uma teoria? Sinceramente, quando eu conheci o formato, pensei que iria explodir (como os blogs explodiram). Mas, até hoje, vejo poucos que tenham persistido (eu mesmo comecei um)... No seu caso, foi mais uma possibilidade em vídeo que surgiu e que te arrebatou, culminando com o enxame.tv? Em outras palavras: a produção do áudio é quase a mesma do vídeo — de modo que é preferível dar um "salto" para obter maior visibilidade? Ou não é nada disso? Conta pra nós. Eu queria conhecer os meandros... Eu acho que muita gente, incluindo o Maestro Billy e o Guilherme Werneck, já fazia podcasts antes — mas esse negócio de pioneiro tem ligação com minha paranoia de "vai lá e faz, não fica pensando no assunto". Foi assim com podcast e videocast. Tanto o Maron quanto o pessoal da colmeia ficou no processo de "vamos discutir, bolar, produzir — chega aí, vamos conversar". Nos dois casos, eu virei e falei: "Vamos gravar no dia tal, hora tal. Compareça. Porque o primeiro programa nunca vai ficar tão bom quanto gostaríamos, então vamos logo fazer; e passar para o segundo, o terceiro..." No enxame foi pior, porque lá pelo segundo ou terceiro episódio do Braincast TV, os sócios da colmeia falaram: "Olha, a coisa está crescendo e a gente quer chamar vocês, Cris e Merigo, para ajudar". A minha resposta deixou todo mundo achando que eu era louco: "OK, a partir de segunda-feira venho pra cá todo dia, separa uma mesa" — sendo que eu morava no Rio (e a colmeia fica em São Paulo). Depois de um mês indo lá, de terça a sexta, eles viram que eu era o tipo "bom" de maluco. A TV, o vídeo, a tela, tem algo de mágico para a gente. O Tanaka, da boo-box, me prometeu contar uma teoria que tem sobre isso — sobre ver os olhos das outras pessoas... Mas ainda está devendo a apresentação completa (e eu devendo uma visita!). Eu já fazia (áudio) podcast desde 2005. Até que eu fiz, em junho de 2008, uma versão safada em vídeo — gravando uma conversa no iChat (ficou tosco). Só que, pela primeira vez, recebi não só amplos "parabéns" — mas gente (que eu jamais teria coragem de chamar para um programa) dizendo: "Poxa, me convida para um próximo aí, vai?". A mesma coisa com o Braincast TV — que já tinha umas 10 edições em áudio e só se tornou objeto de comentários depois de ir pro vídeo. O engraçado é que, em vários casos, o áudio dá mais liberdade que o vídeo. O próprio RadarPOP só podia existir em áudio porque o Maron morava em SP e eu no Rio. Um programa em áudio pode durar mais sem encher a paciência do ouvinte (um Nerdcast padrão dura mais de uma hora e o povo pede bis, enquanto no enxame a gente tenta não passar nunca de 15 minutos). O áudio é mais fácil de editar (já que, em vídeo, você está editando áudio e vídeo). Para editar áudio, você não precisa de um computador tão poderoso. Para áudio, você só precisa de microfone; para vídeo, você precisa de câmeras, luz, cenário, tripé e, inclusive, de microfones. Dá pra ouvir um podcast dentro do ônibus... Enfim, a lista de vantagens é enorme. Mas, ainda assim, o vídeo tem algo que mexe com as pessoas — taí o Big Brother, que cria celebridades simplesmente pelo fato de mostrá-las na TV... 10. Queria misturar duas coisas na última pergunta. Queria que você falasse sobre como a sua formação contribuiu para você realizar o que realizou — imaginando um Leitor jovem que se inspira no Cris Dias de hoje... Ao mesmo tempo, queria que você falasse da relação assimétrica proporcionada pela fama (mesmo que on-line)... No seu histórico, você diz que não consegue ler todos os e-mails que recebe, quanto mais responder a eles... Eu sempre achei essa colocação meio antipática, mas também vivo a mesma situação. Não é que eu não queira ler (e responder), mas é que, se eu levasse a tarefa a sério, faria só isso o dia todo... Voltando à sua formação: você dá conselhos, gosta de palpitar em projetos dos outros ou não acredita muito nesse tipo de "consultoria"? A internet fez da comunicação algo instantâneo mas... experiência mesmo, que é bom, custa ainda uns bons anos? Eu sou totalmente a favor de formação e totalmente contra títulos. Título é coisa de brasileiro, de quem chama qualquer cara arrumado de "doutor". A pessoa deve ter formação, tem que ter contato com professores, alunos, ideias. Fazer projetos pelo conhecimento e não pelo dinheiro (do cliente), e principalmente "aprender a aprender". Eu não gosto dessa visão de que a escola forma "o profissional" (e tem escola primária já pensando na "formação profissional" do aluno, socorro!). Se você vai trabalhar com comunicação, sim, é legal que você saiba o mínimo: "de onde viemos, para onde vamos etc." Mas, se você for engenheiro, talvez consiga dar um olhar "matemático" — que um cara que ficou na academia estudando só teoria da comunicação não seria capaz de dar. O diploma na "carreira X" não torna você automaticamente melhor do que outra pessoa que se formou na "carreira Y" (em nenhuma área). O Malcolm Gladwell veio ano passado com essa teoria de que, para ser fera em alguma coisa, você precisa de 10 mil horas fazendo aquilo (além da sorte de estar no lugar certo na época certa). O Bill Gates poderia ser esse gênio todo que é, mas, se ele não tivesse estudado na primeira escola secundária dos EUA a ter um computador disponível para os alunos, ele não seria o Sr. Bill Gates. Se for esse o caso, eu estou bem, porque uso "mídias sociais" desde os modems de 300 bauds, no Projeto Ciranda da Embratel. Minha formação? Eu estudei um monte de profissões. Fiz metade do curso técnico de mecânica, pulei para publicidade e, na reta final, pulei, mais uma vez, para radialismo. Depois acabei na "boa e velha" faculdade de informática ("porque é isso que dá dinheiro"). Todos esses cursos técnicos justamente porque meus pais sempre insistiram: eu devia ter uma profissão o mais rápido possível (aquela preocupação que os pais tem com o futuro). Pra minha sorte, isso acabou me transformando no tal "profissional multimídia". Uma coisa que não vejo acontecer tanto hoje é a iniciativa das pessoas para reinventar suas carreiras. Eu já ajudei a projetar um sistema de gestão de multas (em rodovias estaduais de SP) e, hoje, sou produtor de vídeo on-line (uma coisa que pouquíssima gente faz, fora o enxame) — porque fui maluco o suficiente para admitir, no ano passado: "Estou acomodado no que faço" (e fui atrás). Estou longe de ser um desses empresários que aparecem em capas de revistas de negócios de braços cruzados, fazendo pose de "eu venci" — mas quase todo dia me pego soltando um palavrão acompanhado de "estou trabalhando que nem louco e adoro o que faço!". A fama dava pelo menos outra entrevista só sobre ela. Um leitor do blog me indicou o (ótimo) Here Comes Everybody, do Clay Shirky, dando uma definição quase matemática: "fama é você receber mais atenção do que consegue dar". Eu e você chegamos nesse ponto. A questão é pensar sempre o objetivo da fama. Fama pela fama? (E ser chamado para festinhas que saem nas colunas sociais?) Fama para que aumentem as chances de ouvirem o que você tem a dizer? Fama para ser chamado a participar de projetos legais? Também dá para dizer que "fama é ter de dar satisfações sobre o que se faz". Naquele tempo pioneiro da internet (de que você falou lá em cima), eu poderia dizer qualquer coisa que ninguém vinha me bater. Hoje em dia, quase tudo vem acompanhado de um virar de olhos e o questionamento típico: "Quem é esse cara?". Mesmo que eu não me ache "o cara". (Apesar de esta entrevista ter dado uma boa ajuda para o meu ego.) A fama traz os trolls — aqueles caras anônimos que ficam batendo, batendo... até você acusar o golpe. Porque todo mundo é humano e tem falhas. E, de vez em quando, um troll acha um assunto que te tira do sério, e fica naquele prazer sádico de bater bem ali. Ano passado, eu entrei na noia de um troll: "E se ele tiver razão?". A fase seguinte é: "Preciso explicar que as coisas não são bem assim, que ele entendeu errado etc.", mas a coisa continua... Hoje em dia, eu estou mais para: "Como é que uma pessoa perde tanto tempo se dando ao trabalho de azucrinar a vida dos outros?". E sigo em adiante. (O cara está lá achando que me tira o sono, mas para mim já está virando só ruído...) A história do capital social (de que eu tanto falo por aí), do "contexto" que uma pessoa compartilha com você, é o que conta no fim. Não dá para ficar entrando em "pilha" de anônimo enquanto pessoas que você conhece, e admira, curtem o que você faz... Para ir além crisdias.com Julio Daio Borges |
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