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Terça-feira, 1/2/2011
Guilherme Fiuza
Maurício Dias


Guilherme Fiuza em foto de Sheila Guimarães

Guilherme Fiuza é colunista da revista Época e autor dos livros Meu nome não é Johnny (Record, 2004), 3000 dias no bunker (Record, 2006), Amazônia, 20º Andar: De Ipanema para o topo do mundo, uma jornada na trilha de Chico Mendes (Record, 2008) e Bussunda ― A vida do casseta (Objetiva, 2010).

Acompanho os textos de Guilherme Fiuza desde os tempos do
site nominimo. Ao ler Bussunda ― A vida do casseta, a biografia que escreveu sobre o saudoso humorista, percebi no livro uma série de questões que me interessavam. A obra é oportuna, sobretudo por não ser apenas sobre o personagem-título, mas uma narrativa sobre um grupo de humoristas/escritores que conseguiram tornar-se realmente influentes no aspecto sócio-comportamental junto ao público.

É retratada a época de criação do
TV Pirata, primeiro programa do qual Bussunda e os Cassetas participaram em continuidade, quando o veículo se permitiu um nível de sofisticação que me parece distante de sua realidade atual.

É mostrado também que empreendimentos que envolvem várias cabeças são sempre sujeitos a conflitos e disputas. Um fato que pode ser constatado no livro é que Boni, o homem que fomentou a
TV Pirata, correu uma série de riscos ao apostar no programa. Curioso que seja pai do principal incentivador dos reality shows no Brasil, os quais, de certa forma, são o anti-TV Pirata; pois, enquanto este tentava levar certa sofisticação ao grande público, os reality shows parecem procurar o menor denominador comum...

Entrei em contato com o autor e combinamos a entrevista, a qual foi feita via
e-mail. ― MD

Você é neto de uma figura ilustre, o doutor Sobral Pinto. Quais as influências deixadas por ele na sua formação intelectual/moral?

Meu avô é reconhecido como grande jurista e um homem arrojado na defesa das liberdades, tendo se destacado na defesa de presos políticos de duas ditaduras (Vargas e militar). Mas o que sempre me chamou mais atenção foi o fato de ser um homem de fé. Não a fé estritamente católica, mas a fé na vida e em si mesmo, que a meu ver embasava toda a sua coragem e seu espírito público.

Há pelo menos dois livros sobre seu avô, um deles escrito pelo professor americano John Watson Foster Dulles. Você acha que a trajetória do doutor Sobral Pinto já foi devidamente contada ou ainda haveria material para mais um livro?

Acho que Sobral Pinto está no hall de personalidades brasileiras que precisam ser resgatadas com mais vigor, sob o risco de passarem a existir apenas na memória dos estudiosos. Este ano completam-se 20 anos de sua morte, acho que seria oportuno um novo projeto biográfico sobre ele. Até porque era um homem muito interessante, apaixonante, capaz de arrebatar as novas gerações.

Sobre o jornalista Guilherme Fiuza. Quando de sua opção pela carreira, quais eram os jornalistas que te agradavam, os que você admirava?

Zuenir Ventura, Fernando Morais, Augusto Nunes, Ruy Castro e Nelson Motta.

Quais áreas você setorizou em seus primeiros anos de redação?

Literatura, depois meio ambiente, no Jornal do Brasil. E política em O Globo.

Como você vê a questão do pluralismo político na mídia hoje, com a internet, em relação ao período em que você deu seus primeiros passos na profissão?

Nos anos 80 ainda havia a sedução dos grandes debates políticos, do voto de opinião, dos oradores brilhantes. A imprensa e o colunismo político tinham mais peso no dia a dia do Congresso e dos governos, porque a opinião pública estava mais ligada nos movimentos e palavras dos líderes. Hoje um percentual bem maior do eleitorado sequer lê jornal, e a internet fragmentou a informação. Não há mais o grande "ponto de encontro" da opinião pública nos principais veículos, ou pelo menos isso se diluiu bastante. Acho que a cobertura política e a política em si vivem uma grande crise de identidade e de representatividade.

Você é alguém que emite opiniões políticas em suas colunas. Tem interesse pelos articulistas que optam por assumir a não-isenção em seus textos?

Acho que há um mal-entendido em relação à questão da isenção. Você pode ser isento mesmo quando opina, mesmo quando forma um juízo sobre determinado assunto e defende abertamente aquele ponto de vista. Acho que falta de isenção é quando você está de alguma forma comprometido com a parte que defende. Sempre deixo claro nos meus textos quem eu acho que está certo ou errado em determinado tema, e não douro pílula ao fazer a crítica. Acho saudável a posição de todos os autores que correm o risco de expressar suas preferências, desde que de forma consistente e não-alinhada.

Você trabalhou no Jornal do Brasil. Quando do encerramento da versão impressa, já não se encontrava lá. Como foi acompanhar de fora o processo de esvaziamento desse veículo tão tradicional e como vê a lacuna deixada por ele para a vida cultural e para o mercado jornalístico do Rio de Janeiro?

Quando entrei no JB, em 1987, ele ainda era uma potência editorial e já era um fracasso administrativo. Desde aquela época se dizia que a empresa estava quebrada. Foi uma pena, especialmente porque não surgiu um substituto, e isso certamente empobreceu culturalmente o Rio de Janeiro e o Brasil.

Um sujeito comum que trabalhe oito horas por dia raramente tem sua vida transformada em livro. O personagem ― real ― que você optou por descrever em Meu nome não é Johnny vendia drogas para jovens. Ao virar personagem de livro e filme, de certa forma ele se tornou um ícone, e está eternizado. Você em algum momento cogitou a hipótese de, como autor, estar contribuindo para a mitificação de alguém que não pode ser considerado um exemplo positivo?

Não procurei oferecer bom exemplo a ninguém. Encontrei uma história que me pareceu rica em termos humanos, jornalísticos e literários, portanto uma história que merecia ser contada.

Qual era sua experiência prévia com audiovisual quando da adaptação de Meu nome não é Johnny para o formato de roteiro ― junto com Mariza Leão e Mauro Lima? Como foi o processo de elaboração, desde o início o trabalho foi em grupo?

O roteiro do filme é de autoria de Mauro Lima e Mariza Leão. Colaborei desde o início do processo, sugerindo cenas e às vezes corrigindo ligeiramente o rumo, mas a estruturação da história para o cinema foi um trabalho do diretor e da produtora. Eu não tinha experiência prévia com audiovisual, e aprendi mais do que ajudei.

Quando se adapta um texto literário para o formato de roteiro são necessários muitos cortes e mudanças. O "autor da obra original" e o "seu lado roteirista" alguma vez se encontraram em um impasse entre a necessidade de reformatar aquele conteúdo e o temor de descaracterizar a obra em que se baseava?

Foram vários os impasses. Acho muito importante no livro, por exemplo, a parte da história que se passa no manicômio judiciário. Todos quebramos muito a cabeça até entender que o filme tinha que desenvolver bastante a fase do protagonista pré-prisão. Tivemos portanto que comprimir fortemente a saga dele no manicômio, com todo o cuidado para não perder os elementos dramáticos que provêm daquela parte da história.

Seu livro Bussunda ― A vida do casseta talvez esteja apresentando a uma nova geração um humor que à época foi altamente inovador, o do programa TV Pirata, o qual não era exatamente o estilo do programa televisivo do Casseta e Planeta. Em janeiro de 2011, o caderno de TV do jornal O Globo promoveu um encontro entre alguns dos atores do TV Pirata. Na ocasião, um dos redatores, Marcelo Madureira, falou que tal experiência hoje seria impossível, pois a TV (aberta) tem de cortejar as classes C e D. Você concorda com esta visão? Acha que a TV emburreceu?

A TV Pirata realmente não seria possível hoje. Não só porque a audiência da TV aberta está mais massificada, mas porque a sociedade como um todo está mais intolerante com certas sátiras a ela mesma, especialmente quando atingem as minorias. Não acho que a TV tenha emburrecido. O público é que perdeu jogo de cintura.

No livro há trechos como aquele em que você relata que a mãe do personagem-título, ao contar histórias para os filhos, "...dava um jeito de inserir nas fábulas infantis os personagens Fidel e Raul, dois irmãos que liberaram uma ilha de um império." (pág. 36, § 6º) Em algum momento do processo de elaboração houve a tentação de emitir suas próprias opiniões sobre os personagens ou sua formação de jornalista estabelecia o relato "sem julgamento" como imperativo?

Não existe esse dilema. O que o autor não pode é abrir mão de seu olhar crítico, com medo de virar juiz da história. Se uma mãe ao ninar os filhos substitui os três porquinhos por Fidel Castro, isso não é o narrador criticando o comunismo. É só um fato sui generis que fala por si e merece ser narrado pelo que revela dessa personagem materna.

Fora este e outros exemplos de doutrinação exercida desde o berço sobre o personagem-título, como a mãe desejar batizar o filho de "Agapanto" (de acordo com o texto, flor associada à revolução cubana), no livro Bussunda ― A vida do casseta, ao falar sobre Mané Jacó ― um ex-agregado do grupo Casseta ― você aponta dificuldades de relacionamento entre ele e o pai já na adolescência: "César Jacobina apoiava a ditadura militar de 1964. Mané Jacó, no movimento estudantil desde os 15 anos, mal tolerava ouvir o pai chamar o golpe de 'revolução'. A rotina de atritos cada vez mais febris levou o garoto a procurar trabalho. Tendo dinheiro poderia ter opinião. Um preço alto para ser ele mesmo em casa, o que saía de graça numa família comunista e libertária como a dos Besserman Vianna (nota: os verdadeiros sobrenomes de Bussunda)." (pág. 162, § 1º) Considera haver algum contrassenso entre este trecho e outros referentes à criação de Bussunda, como "o menino era proibido pela mãe de ver novelas e programas de auditório, considerados alienantes. Não podia ver, em nenhuma hipótese, Amaral Netto, O Repórter." (pág 123, § 6º) Por que um pai que tenta impor opiniões ao filho é caracterizado como repressivo e outro que faz o mesmo seria "libertário"?

Porque nos dois casos há doutrinação, mas na casa de Bussunda havia mais tolerância e liberdade do que na casa de Mané Jacó.

As conversas com os integrantes da Casseta para obter os relatos para o livro foram em grupo ou houve muitos encontros individuais? Qual deles se mostrou mais reticente/inacessível e qual o mais disposto a falar?

Todas as entrevistas foram individuais e todos os membros do grupo se mostraram absolutamente dispostos a contar tudo.

A quantidade de entrevistas necessárias para escrever um livro acaba gerando laços sociais entre autor e entrevistados?

Não necessariamente. Quando a parceria entre o autor e a fonte funciona bem, o que emerge é uma espécie de cumplicidade profissional. O Sergio Besserman, por exemplo, irmão mais velho do Bussunda, tinha sido minha fonte no livro 3000 dias no bunker e essa experiência ajudou bastante no projeto seguinte, na base da confiança mútua. Acredito que a marca da minha relação com ele sempre será, basicamente, a da cumplicidade profissional.

Você tem quatro livros publicados, todos de não-ficção. Costuma ler ficção? Quais autores? Há possibilidade de algum dia experimentar a prática do texto ficcional?

Leio ficção, mas sou chato para ler ficção. Como no romance tudo é possível, a trama tem que me parecer muito convincente para que eu reconheça dramaticidade nela. Meu preferido é Nelson Rodrigues, que me parece o mais honesto de todos em seus delírios. Estou trabalhando neste momento com um projeto de ficção (para TV), e tem sido bem difícil esse exercício de deixar de observar o que o personagem fez, para escolher o que ele fará...

Nota do Editor
Mauricio O. Dias é roteirista de cinema e mantém o blog comoeueratrouxaaos18anos.

Maurício Dias
Rio de Janeiro, 1/2/2011

 

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