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Segunda-feira, 1/1/2007
Cardoso
Julio Daio Borges

André Felipe Pontes Czarnobai tornou-se “Cardoso” em 1997, quando, ingressando na faculdade de jornalismo da Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), não conseguia guardar o sobrenome de um certo professor Camargo. Virou piada, depois apelido e – como André Czarnobai não gostava – acabou pegando. Na época do lançamento de seu livro Cavernas & Concubinas (DBA, 2005), Cardoso comentou que o seu “Cardoso” aparecia antes na pesquisa do Google do que o “Cardoso” do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

A razão disso está no
CardosOnline, um ezine que André Czarnobai fundou com Daniel Galera em 1998 e que, até 2001, teve participações de outros futuros autores da chamada Geração 90, como Daniel Pellizzari e Clarah Averbuch. Com o fim do CardosOnline (ou COL para os íntimos), Galera, Pellizzari e Guilherme Pilla (outro dos “COLunistas”) fundaram a editora Livros do Mal – também referência no contexto da Geração 90 da literatura brasileira, e que anteciparia o boom de pequenas editoras (e cooperativas) de autores nos anos 2000.

Da turma toda do
CardosOnline, o próprio Cardoso foi, na verdade, um dos últimos a publicar. Direcionou grande parte de sua energia e de sua criatividade para a Web, a ponto de o agitador cultural Marcelino Freire falar, com razão, da “genialidade internética” do Cardoso. Com a dissolução do ezine, vieram o site da Irmandade Raoul Duke (2002) – sobre gonzojornalismo, tema da monografia de André Czarnobai – e o primeiro blog, One Hundred Percent Chongas (até 2004). De lá pra cá, foram pelo menos mais três outros blogs: Bomboclaat! (2005, no UOL), Tripa Nelas Tudo (2005, no portal Insanus.org) e Bundesüba (2006, em qualquer.org – a nova URL do Cardoso). Fora o podcast Deusulivre, trabalhos com webdesign via Tosqueira Websites, traduções, palestras e até roteiros e consultorias.

Na Entrevista a seguir – que responde com recursos de CAPS LOCK (para dar maior ênfase) – André Czarnobai, o Cardoso, usa a expressão “homem da Renascença” – enquanto que, sobre a WWW, afirma: “É o meu território, por excelência”. Como Daniel Galera, também não acredita na expressão “autor de internet” e resume todas as discussões sobre o
blog ser (ou não ser) “uma nova linguagem” com a seguinte frase: “Blogspot is the new caderno”. Reconhece que é mais lido na internet do que em livro – e prevê, inclusive, uma crise também para esse formato. Descarta a possibilidade de uma antologia do sempre inevitável CardosOnline, ao mesmo tempo em que desanca o presente revival do “jornalismo literário”. Mesmo tendo ajudado a construir, direta ou indiretamente, muito do que há de relevante na Web brasileira, Cardoso não pensa que, em outro país, poderia estar agora milionário. Para ele, “internet é compartilhar” – e talvez, por isso mesmo, André “Cardoso” Czarnobai seja uma das personalidades mais representativas destes nossos tempos. – JDB

1. “O cara mais moderno que eu conheci”, disse um blogueiro sobre você. Pelo que pude depreender do seu CV, você é chamado para 9 entre 10 eventos sobre blogs, é conclamado a participar de 9 entre 10 coletâneas de contistas da internet e é consultado sobre 9 entre 10 iniciativas na Web brasileira... Se a Grande Rede desse dinheiro mesmo, no Brasil, você estaria milionário? A que você atribui esse “assédio profissional”? É tudo culpa, ainda, do CardosOnline, ou dos seus sites, blogs e podcasts? Às vezes, é chato ser Cardoso?

Cara, não é nada chato ser Cardoso, principalmente porque um expressivo contingente de GATAS curte os ruivos – independente de serem Cardoso ou não (aliás, independente até de serem ruivos, às vezes). Mentira, mentira (mas também pode ser "verdade, verdade": eu sou muito bom mentiroso). O fato é que, ao pensar sobre o assunto, me salta à mente que não sou, assim, tão chamado pra tantas coisas quanto pode parecer – ou será que sou e nem me dou conta? Nem sei. Sei que gosto muito de viajar, então quando me convidam para um evento (mesmo que seja sobre blogs, um assunto que me parece fadado a ser ETERNAMENTE abordado da maneira errada) onde esteja incluída uma viagem, eu QUASE SEMPRE aceito. Não só pela viagem, mas também porque gosto muito de FALAR em público. De dar palestras, participar de debates, mesas, painéis. Curto uma discussão PEGADA.

Sobre as coletâneas de contistas de internet, bem: não lembro de ter participado de nenhuma assim tão específica, até porque não acho que exista um MOVIMENTO ou uma ESCOLA e muito menos uma CARACTERÍSTICA ou TRAÇO que possa colocar na mesma sacola todo mundo que está escrevendo na rede nos últimos 10 anos. É só uma FERRAMENTA, só um SUPORTE, só um PAPEL DIGITAL. Não tem uma influência assim tão significativa na FORMA e nem mesmo no CONTEÚDO. Blogspot is the new caderno. Só isso.

Iniciativas na web? Costumo participar de muitas, com certeza. Gosto de explorar e estudar as potencialidades da rede, então sempre que aparece a oportunidade de me aprofundar ainda mais no assunto, mergulho de cabeça. É o meu território, por excelência. É onde eu me saio melhor. Gosto daqui. É tranqüilo e perfumoso quando se tem bons amigos e se sabe o que fazer. Agora, ficar milionário na web? Quem conseguiu essa façanha: OU apostou MUITO na ignorância alheia e lucrou baseado em ilusões; OU acabou carregado nessa mesmíssima onda e surfou, meio que por acaso, nas verdinhas. Fora lidando com PORNOGRAFIA, acho impossível ficar milionário na web – e vai ser CADA vez mais impossível à medida que o usuário médio começa a se tornar cada vez mais CIENTE do que é a rede e como ela, de fato, se comporta. Internet=compartilhar. É a consciência que desperta de forma cada vez mais irreversível no coração do internauta. E que bom que isso aconteça: dessa forma pelo menos estamos mais próximos da sua ESSÊNCIA.

Por fim, respondendo, finalmente, a pergunta: é tudo culpa do CardosOnline. Não importa se eu escrevi por dois anos no One Hundred Percent Chongas, se tive os maiores índices de leitura na época do Tripa Nelas Tudo, ou se a minha monografia sobre Gonzo Jornalismo publicada na Irmandade Raoul Duke influenciou uns 50 estudantes de jornalismo a fazerem trabalhos de conclusão de curso sobre o assunto: todo mundo sempre lembra do CardosOnline. E faz sentido: o CardosOnline pode até não representar o ponto ALTO de nenhum de seus COLunistas ou COLaboradores (e não representa, mesmo), mas, sem dúvida, foi um belo de um pontapé inicial em muitas coisas que aconteceriam nos anos vindouros – seja em termos literários, jornalísticos, cinematográficos, políticos, sexuais, culinários e, por que não dizer?, até mesmo botânicos e estéticos, for that matter. O COL teve uma importância simbólica, pro bem e pro mal. É uma base, um marco, uma boa idéia – ainda que não em sua melhor forma. Um embrião. Mas um embrião, muito provavelmente, foi o responsável pelo começo da vida neste planeta, então, se eu fosse megalomaníaco pra caralho, poderia até mesmo entrar numas de fazer uma analogia surreal e comparar o COL com DEUS, BIG BANG e todo aquele papo dos BEATLES serem maiores do que Jesus, mas nah. Seria LUÍS XV demais pro meu gosto. Mas fato é que o COL ainda é aquilo de que as pessoas mais se lembram quando falam em mim – e vice-versa. E tenho um palpite de que vá ser assim AD INFINITUM. Quanto a isso, nenhum problema. Foi uma ERA sensacional.

2. Quando entrevistei o Daniel Galera aqui, ele me pareceu um pouco cansado do rótulo de “escritor de internet”, e fazia sempre um esforço para olhar pra frente e ser, mais do que nunca, só “escritor”. Eu li em algum lugar do seu clipping que você tem muito orgulho de fazer parte da “geração internet”, que até acha que isso foi uma vantagem quando lançou seu livro e que a WWW, de certa forma, te salvou do jornalismo (sua formação, mas que você considera, como prática hoje, “uma tremenda vergonha”)... Enfim, o destino final dos “autores de internet” é mesmo o livro? Não acha que, de repente, o livro pode não ser mais o objetivo de todo autor de internet? O que estou querendo dizer é: você já era o Cardoso antes do livro; depois dele, mudou alguma coisa?

Eu escrevo na web desde 1997, 1998, talvez. Durante todo esse tempo, quando me convidavam prum evento ou me entrevistavam, nos créditos, lia-se "jornalista" (mesmo antes de estar formado), "fanzineiro" (juro) ou, mais recentemente, "blogueiro". Em 2005 publiquei meu primeiro livro, trazendo EXCLUSIVAMENTE textos que já haviam sido publicados antes na internet. E aí passaram a me creditar como "escritor". Esse raciocínio exemplifica tudo que eu desprezo no mercado editorial brasileiro. Não faz o MENOR sentido. E não faz mesmo: eu tinha muito mais leitores na web do que em livro – por que então é mais importante ter um livro publicado? Um cara que escreve um livro HORRENDO é mais escritor do que um cara que escreve bem pra caralho em um blog? Não faz o MENOR sentido. É uma classificação baseada em preconceitos idiotas, de quem não faz a MENOR idéia do que está falando.

Não sei se tenho ORGULHO em fazer parte de uma geração ou outra, apenas não estou, mesmo, com saco de ficar cumprindo a CARTILHA do ESCRITOR brasileiro para ser RECONHECIDO como tal pela crítica (ou pelos outros escritores). Eu gosto de escrever e não quero ficar cheio de GUÉRI-GUÉRI nem RIQUE-FIQUE por causa disso. É só escrever. Não tem nada demais. Não me faz melhor ou pior que ninguém. Não me dá direitos. Não me dá deveres. Não me dá nada além do prazer que eu tenho quando estou escrevendo. O resto é confete, é castelo de areia, é nuvem de chuva: ESVANECE. No mais, não existe, mesmo, isso de "escritor de internet". É outro termo sem pé nem cabeça, que exemplifica, aí sim, o meu desprezo pelo jornalismo, sobretudo CULTURAL (e aí não apenas o brasileiro).

Quanto ao formato livro, BEWARE: dou 30 anos para ter se EXTINGUIDO ou, pelo menos, diminuído GROTESCAMENTE sua importância e participação na sociedade moderna. Narrativas longas, médias e curtas continuarão existindo enquanto existir o homem, mas os suportes vão mudar. E baseado nos níveis de leitura dos jovens de AGORA, dá pra ter um bom vislumbre do que será o futuro do livro no Brasil. Hoje, para a literatura de ficção, é um gueto de 3 a 5 mil pessoas – em um universo de, potencialmente, quase 200 milhões. As vendas de literatura de ficção estão crescendo exponencialmente no Brasil? De autores BRASILEIROS? Hmmm. Acho que não. Além do mais tem todas essas questões ambientais: o papel e a sua produção, o acúmulo de lixo, etc., etc., etc. Fato é que o livro vai virar peça de museu. Em 30 anos. Cinqüenta, no máximo.

3. O que me inspirou a fazer esta Entrevista foi sua nova URL, qualquer.org, onde você reúne, praticamente, suas “obras completas”... Particularmente, eu gosto muito dos títulos dos seus projetos: One Hundred Percent Chongas, Tripa Nelas Tudo, Bomboclaat!, Deusulivre e até Tosqueira Websites. Você parece que, como Oscar Wilde, não resiste à tentação: abre sempre a janelinha de uma nova mídia... Você é mais “criador” do que “administrador” do seu patrimônio? Como Vinicius de Moraes, prefere sair fundando novos movimentos em vez de viver, como muita gente vive, de uma realização só? Já se arrependeu de encerrar uma coisa para começar outra?

Bem, o Qualquer.org foi justamente uma tentativa de me tornar um pouco mais "administrador" das coisas que eu faço, juntar tudo num mesmo lugar, facilitar para as pessoas que querem me ler, me ouvir, me ver, ou sei lá mais o quê. Eu gosto de me ocupar com coisas que me dão prazer. Escrever me dá prazer. Fazer música (mesmo não sendo músico) me dá prazer. Desenhar me dá prazer. E muitas outras coisas. Então eu vou fazendo, sem pretensões nem intenções. Não chego a pensar muito nessas coisas, simplesmente faço. E, não, não me arrependo de encerrar uma coisa pra começar outra: as coisas, todas, acabam. As pessoas precisam aprender a apreciar, também, os finais – não apenas os começos (mesmo porque todo começo se origina de um final).

4. A pergunta acima tem muito a ver, lógico, com o CardosOnline, que é sempre tema inevitável em qualquer entrevista que você dê... Como o Jaguar que tentou contar de uma vez por todas a história do Pasquim (ultimamente, em livro), você acha que já encerrou sua temporada de questões sobre o CardosOnline? Ainda pensa que vale reunir, também em livro, aquele momento particular da história da internet brasileira? Será que teria sido um best-seller da Livros do Mal (se ela tivesse, na época, editado)? O fantasma do CardosOnline continua te atormentando, com os e-mails que chegam até hoje? Poderia ter continuado? (Se, sim, como estaria agora? Se, não, por quê não?)

Um pouco antes dos Daniéis do COL (Galera e Pellizzari) se juntarem com o Pilla para criar a Livros do Mal, existia essa idéia de se fazer O LIVRO DO COL. Ainda bem que não o fizemos, teria sido estranho. Ridículo, até. Talvez. Se algum dia eu estiver velho, todo fudido de grana e com um bando de gente me CELEBRANDO, bem, não descarto a possibilidade de lançar um CAÇA-NÍQUEL desses para me garantir algum conforto. Agora, falando sério: seria terrível. O CardosOnline fazia sentido na web, quando tínhamos 20 e poucos anos. Hoje, quase 10 anos depois, já não faz mais tanto sentido assim. Imagina daqui a uns 20?

No mais, o COL não é um fantasma, é mais um LEGADO. Gosto que as pessoas sigam falando nele, sobretudo porque era um troço TOSCO pra caralho. Tem gente que NUNCA leu um COL e fica por aí cantando as suas maravilhas. Tem gente que me aborda na rua e diz que CONTINUA lendo o COL, toda semana. Ou seja: isso é muito surreal. O COL ficou muito maior do que ele próprio, e deixou de ser um ezine para se tornar uma ENTIDADE. E te digo uma coisa: se ele tivesse CONTINUADO, isso não teria acontecido. Até porque o último ano do COL foi meio CONSTRANGEDOR, sabe? Ninguém mais tinha muito saco de continuar, ninguém mais lia, todo mundo só comentava. Bizarro, bizarro. Ainda bem que acabamos com o zine. Como eu disse: as pessoas tem que saber ACABAR as coisas.


Sentados no sofá: Guilherme Caon, Guilherme Pilla (de cabeça baixa),
Daniel Pellizzari, Marcelo Träsel e Daniel Galera (de touca).
Na frente: Hermano Freitas, Clarah Averbuck e Cardoso.
[Todos no tempo do CardosOnline (1998-2001)]

5. Queria que você falasse um pouco da sua investida no “gonzojornalismo”, a tal da Irmandade Raoul Duke, que acabou produzindo, naquele tempo, uma porção de sites derivativos... Hoje é até engraçado, porque o jornalismo literário está, de repente, ficando famoso no mainstream... Dá para relacionar as duas coisas? Se alguém te chamasse, hoje, para um novo projeto gonzo, você retomaria essa etapa da sua carreira ou, para o seu gosto, já deu o que tinha de dar? Você considera, enfim, que o jornalismo literário ou o “gonzojornalismo” pode ser, efetivamente, uma saída para o jornalismo moribundo do Brasil, ou é apenas mais uma moda?

Nunca abandonei o gonzo jornalismo, foi um troço que sempre fez parte da minha CARREIRA jornalística e sempre continuará fazendo. Hoje em dia só aceito trabalhos jornalísticos onde tenha liberdade INCONDICIONAL de formatos e textos. Qualquer regra que um editor vier me impor será equivalente a uma negativa na aceitação de uma tarefa. Sobretudo porque jornalismo paga MUITO MAL, e se é pra escrever por miséria, então eu escrevo de GRAÇA e do jeito que eu quero. Não tem a menor diferença, pra mim, ser publicado por uma revista, um jornal ou num site. Meus leitores vão me encontrar de qualquer jeito.

Quanto aos movimentos no panorama jornalístico brasileiro, eles me parecem muito perdidos, muito focados em resquícios dos anos 60 (não que o gonzo seja algo extremamente moderno, afinal de contas, também surgiu nos anos 60), em um estilo polido demais, muito cheio de ui-ui-uis que me incomodam pra caralho. O jornalismo literário brasileiro está indo buscar influência no NEW JOURNALISM de Tom Wolfe, Truman Capote e Norman Mailer – o problema é que quer fazer isso com os seus equivalentes nacionais, que não chegam nem aos pés dos supracitados. Ok: há bons exemplos, sim, no jornalismo literário brasileiro. Mas, salvas essas raríssimas alminhas, o GROSSO da produção nessa área é incrivelmente CHATA. Não basta um texto BOM para se fazer jornalismo literário: tem de se ter bons OLHOS, boas idéias, uma personalidade marcante, distinta. Fora disso, é apenas perfumaria.

É isso! Os jornalistas literários brasileiros estão errando a fórmula do uísque e fazendo perfume. E perfume, você sabe, é uma MERDA pra beber. Mas tem nego que bebe. Sabe como é. Enfim, anota aí: jornalismo literário já era, o futuro é o jornalismo PESSOAL. Muita gente já está se dando conta disso, meio que tateando no escuro. Mas em breve a EPIFANIA vai rolar, e todo mundo vai dar aquele sonoro tapão na testa pra dizer "mas é mesmo...".

6. O que vem tendo um crescimento significativo mas ainda tímido, na internet brasileira, são os podcasts. Gostaria que você comentasse sua experiência com o Deusulivre... Por que ficou num episódio só? E sobre a sua participação no É batata!, do Fred Leal, e também no podcast do Insanus.org, como foi (teve repercussão)? Às vezes eu acho os podcasters brasileiros meio desanimados com a baixa audiência (principalmente, com a baixa resposta) e, ainda, com a inabilidade dos internautas em lidar com o formato... Se o podcast tivesse pegado como o seu ezine pegou, como alguns de seus blogs pegaram, você teria continuado? O podcast tem futuro no Brasil ou vamos ter de esperar mais cinco anos (que foi o tempo de aceitação dos blogs por aqui...)?

Não me interessa em nada "pegar" ou não "pegar" alguma coisa que eu faço – eu faço do mesmo jeito. Meus projetos musicais, por exemplo, nunca decolaram, mas eu já produzi mais de 200 músicas – e sigo produzindo, mesmo sem ter praticamente NENHUMA resposta dos ouvintes.

Quanto aos podcasts, o grande lance pra mim é que podcast tem que ser um troço DIFERENTE de programa de rádio. Então eu me MATO pra fazer cada edição do Deusulivre (que são duas [ e ], não apenas uma). Eu penso em cada barulho, em cada palavra, em cada colagem, na trilha, na montagem, nos efeitos... E isso dá um trabalho do cão. Cada programa contém 17 minutos de coisas que você não vai encontrar em NENHUM lugar do mundo porque foram coisas que EU, a partir do meu universo extremamente particular de referências, produzi. E é difícil pra caralho fazer isso. Cerca de duas semanas por programa. E aí? Onde eu vou conseguir tempo pra fazer isso? Então, no meu caso, nem foi questão de poucos ouvintes nem nada: foi de PREGUIÇA mesmo.

Se vão pegar, no Brasil, os podcasts? Acho pouco provável. A publicidade já explorou dos jeitos mais errados possíveis, desde promoções ridículas de marcas de cerveja até produtoras de vídeo querendo fazer podcasts com IMAGENS. Nenhuma noção. Demência absoluta. Além do mais, faz muito mais sentido que, no Brasil, os VIDEOCASTS entrem com mais força e conquistem mais atenção. Basta alguém lançar um site que combine funcionalidades de social networking (estilo Orkut) com as de video on demand (estilo YouTube). Tá caindo de madura a idéia, aliás.

7. Você é consultor criativo, penso que tem muita habilidade como webdesigner (seu portfolio, aliás, comprova), mas, ao mesmo tempo, se considera “o pior fotógrafo do mundo”, enquanto que faz bico como “modelo” e até ponta como “ator”... É difícil lidar com essas contradições (ou elas são contradições aparentes)? Você é um dos poucos artistas da internet – posso te chamar assim? – que eu considero que sabe combinar texto com imagem (atua e é respeitado em ambas as áreas)... Uma monografia recente sobre o Digestivo afirma que o “jornalista do futuro” vai ter de dominar as técnicas do jornalismo e, ainda, as técnicas da internet... Num sentido mais amplo, penso que você já trabalha assim. Confirma essa minha impressão?

Quando a Internet botou na frente de todo mundo TODAS as opções que ela botou, acho que era meio inevitável que isso acontecesse. Quer dizer, a web me dá a opção de aprender sobre QUALQUER coisa, desde que eu me disponha a pesquisar sobre ela. Por que não fazer isso? Acho que isso, muito mais do que qualquer outra coisa, é o grande incentivador dessa minha, digamos, POLIVALÊNCIA. Claro que tem a ver com a minha curiosidade, com a minha vontade de conhecer várias coisas e com a minha crença no EMPIRISMO como religião. O somatório de todas essas coisas é que me transforma nesse HOMEM DA RENASCENÇA – mas estou certo de que não sou o único nesse clima. Aliás, muito pelo contrário. Espere pela adolescência de quem é criança agora: vai ser uma geração incrivelmente produtiva e criativa, com milhares de projetos e idéias.

Sobre o jornalista do futuro, outra previsão bombástica: o jornalista, como o conhecemos, está fadado a desaparecer. Fique de olho nos movimentos ligados ao citizen journalism no mundo e comprove: hoje em dia TODO MUNDO é jornalista. Poder para o povo, saca? Vai rolar, vai rolar. Já está rolando.

8. Nunca vi uma palestra sua, mas sei que vocês, do CardosOnline, foram sensação na Flip, em 2004. Depois, no outro ano, você foi a Parati vender, pessoalmente, seu livro. Como você vê essa transição da internet para o mundo real? Ela é natural, problemática ou depende da situação? Imagino que, para vocês todos – novamente, do CardosOnline –, ela tenha acontecido muito cedo: desde as namoradas que você disse que arranjou ao “escrever fofinho” até a publicação de cada ex-COLunista em livro. Como você analisa a imagem da internet, no mundo real (de novo), desde que começou suas empreitadas na World Wide Web? Aumentou o respeito, diminuiu o preconceito ou sempre vai pairar uma certa nuvem de incompreensão?

CardosOnline, sensação da Flip 2004? Essa foi engraçada. Hehehe. Acho que foi o ano que o Galera foi convidado da Flip, e que eu (quase) fui preso fumando maconha na beira do mar – daí a relação. Ah, sim, e o Hermano também estava lá. Ou será que foi em 2005 isso? Não lembro.

Mas enfim: transição da web para o mundo real? Sinceramente, não separo mais as duas coisas. Oh (pode se escandalizar aquela patuléia toda que não costuma navegar assim com tanta freqüência)! Mas fato é que a internet continua sendo incompreendida pela grande maioria da população. Por sorte, o usuário brasileiro vem dedicando muitas horas de seu dia à navegação, o que, a médio prazo, vai dar em alguma coisa BOA – sobretudo em relação a essa imagem que se faz da rede no "mundo real". Analisando o fenômeno bem superficialmente dá pra dizer que, obviamente, aumentou o respeito em relação a internet por vários e vários fatores, mas sempre continuará existindo a tal nuvem de incompreensão até que morram todos os integrantes da última geração que NÃO nasceu já sob a VIGÊNCIA da rede.

9. O que aprecio em você, ainda, é que não embarca fácil nesse “coitadismo” que permeia o discurso da maioria dos escritores da chamada Geração 90 (mais notadamente, pela eterna falta de grana do escritor brasileiro...). Para mim, é evidente que – até pela excessiva condescendência crítica, desse mesmo pessoal, resenhando seus pares – houve uma espécie de “inflação de escritores”. Muitos já falaram sobre o tema e a máxima de que “existem mais poetas do que leitores de poesia”, no Brasil, agora parece que vale para todos os gêneros... Não vou te perguntar sobre “quem vai ficar etc.”, mas você tem algum palpite para o que vai acontecer daqui pra frente (pós-Geração 90)? E os jovens, a Geração 00 – que, de repente, surgem ainda em maior número –, o que vai acontecer com eles? Alguma aposta sua ou estamos todos condenados ao Long Tail Literário?

Hm, não sei o que "long tail" quer dizer, mas isso me fez pensar em raposas, e, puxa, eu gosto de raposas. Obrigado. No mais, literatura é algo que, realmente, não me preocupa. Já disse antes e vou repetir: gosto de escrever. Se tem gente lendo além de mim, que ótimo. Se não tem, ok: vou seguir escrevendo igual. Pra mim, isso é ser escritor: o cara que ESCREVE. Nada mais. Não é o cara que lança livro, ganha prêmio, dá palestra ou entra pra Academia Brasileira de Letras. É o cara que escreve. Qualquer merda.

Lugar pra todos: tem. Quem vai ficar? Quem continuar escrevendo. Quanto aos jovens – cara, não tou sabendo de mais NINGUÉM. Se tem alguém vindo por aí, na boa, me avise. Se bem que sei lá: na real tou sabendo de UM MONTE DE GENTE, podem soar antigos pra mim porque leio há tempos – como Carol Bensimon, Fábio Godoh e Marcelo Noah, Bruna Beber, Caco Ishak, Vanessa Barbara –, mas podem ser extremamente novos para muita gente. É a velha síndrome do NOVO ESCRITOR – no Brasil, muitos NOVOS ESCRITORES tem mais de 40 anos e uns 5 livros editados. Outra vez: nenhum sentido.

10. Como é praxe, algum conselho seu para quem quer ser “o próximo Cardoso” (se é que isso faz algum sentido...)? Você não se formou através da internet mas você, de certa maneira, formou a internet brasileira... O que considera, então, importante na formação de um artista, autor, jornalista, realizador de internet como você? Quais são os caminhos para quem quer começar (se é que eles existem...)? Se, um dia, o “Cardosinho” chegar pra você e anunciar que quer ser profissional de internet, o que você diria (que conselhos daria) a ele?

Curiosa a menção ao CARDOSINHO. Em recente viagem à Trancoso, na Bahia, fiquei bastante alterado uma noite e senti uma certa estranheza ao me encarar no espelho, com a barba tão grande. Resolvi, então, TOSÁ-LA em alguma medida, ato que originou uma BOLA de pêlo ruivo, que moldei com muito esmero e depositei sobre a mesa de centro da sala da casa onde ficamos hospedados, eu e os meus comparsas de viagem. Durante muitas horas, todos ignoraram a presença daquela pelota peluda sobre a mesa. Mesmo outros amigos, em visita, não notaram a OBRA. Até que alguém, fuçando em um cinzeiro, notou o objeto estranho pesando pouco sobre a madeira e resolveu REVOLVÊ-LO com as pontas dos dedos. Em poucos minutos, aquela sebosa esfera estava sendo FESTEJADA por todos os presentes, que àquela altura da noite já haviam a batizado de CARDOSINHO. Pobre Cardosinho, não teve sequer tempo de me pedir conselhos: acabou consumido em uma PIRA mágica por volta das seis da manhã, deixando um fedor INCRÍVEL e muita saudade em nossos corações. No mais, acho totalmente impossível dar conselhos que não soem extremamente ridículos – mesmo porque, Deus, "quem sou eu pra dar conselhos?".

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Julio Daio Borges
São Paulo, 1/1/2007

 

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